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Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 277 – 2023



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Transformação Digital na Metrologia
 

 
 
 
A assinatura da Convenção do Metro, em 1875, foi a base para a formação do sistema de medição que sustenta a indústria, a inovação, o comércio internacional, a qualidade de vida e a proteção ao meio ambiente – a metrologia está no dia a dia da sociedade, portanto, é natural que a metrologia esteja adequando-se e fazendo uso das novas tecnologias, desenvolvendo e validando novas técnicas para garantir a confiabilidade dos resultados de medição em todo o mundo.

Umas das tendências nesse campo é o uso de softwares e a emissão de certificados digitais. O certificado é uma das etapas do sistema de gestão de medição (ABNT NBR ISO 10012), e somente laboratórios acreditados pelo Inmetro podem emitir um.

Os certificados de calibração digitais devem substituir em breve os certificados em papel. Mas, os certificados digitais de calibração exigem segurança digital e infraestrutura de software para os processos de autenticação e validação, numa cadeia de calibração totalmente rastreável a padrões primários. Ou seja, softwares e sistemas devem ser totalmente validados e reconhecidos, tanto pela comunidade metrológica e indústria, quanto pelo Inmetro e órgãos internacionais. E essa infraestrutura de certificados de calibração deve dar suporte às indústrias de hoje, e às futuras, digitalizadas.

E como está esse caminho?

Atualmente, os processos de calibração, na maioria dos casos, resultam em certificados de papel fisicamente assinados por pessoa autorizada, impressos em papel especial, e em conformidade com os padrões ISO 17025, indicando o status da acreditação da organização. O certificado é enviado para o cliente, e as informações de calibração do certificado são transcritas – às vezes manualmente – para o sistema que utiliza o instrumento calibrado.

A transcrição manual de dados – não só de calibração – é reconhecidamente uma potencial fonte de falha, por isso, há algum tempo, provedores de serviços de calibração estão gerando certificados em PDF assinados digitalmente, como um primeiro passo para a digitalização. Isso já permite que os certificados sejam enviados eletronicamente, e de forma segura, para o cliente, mas o PDF ainda requer que uma pessoa visualize o certificado, e transcreva os dados para o sistema correto.

A visão futura, e não tão distante, será substituir o certificado em papel para totalmente digital, de forma que os arquivos possam ser comunicados de forma segura, instantânea e reconhecida. Um arquivo XML pode ser totalmente lido e interpretado por um software, e os dados de uma calibração podem ser transcritos automaticamente para os sistemas relevantes, sem a necessidade de transcrição manual, evitando riscos associados a essa transcrição. O grande diferencial será a possibilidade de integração total entre calibrador padrão, software de gestão de calibração e ERP, garantindo a integridade dos dados.

Os Certificados de Calibração Digital (DCCs) darão o suporte para a Indústria 4.0. Mas isso vai demandar uma infraestrutura de medição IoT, com serviços de calibração e análises fornecidos por sistemas baseados em nuvem, tudo segundo diretrizes e regulamentos internacionais, e apoiado por organizações como a ISO e a IEC, fornecendo normas técnicas, como a ISO 80000 (o sistema internacional de quantidades). Outros pontos relevantes aí são a proteção criptográfica e a implementação de normas internacionalmente harmonizadas. Enquanto a necessidade de aceitação em nível regional é muito clara, pois, há milhares de calibrações todos os dias, a harmonização internacional pode ser necessária apenas entre as principais organizações.
 
O Chefe da Divisão de Metrologia em Telecomunicações do Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, Rodolfo Saboia, lembra que o produto final de uma calibração é o respectivo Certificado de calibração devidamente assinado pelas pessoas que autorizam o relatório (17025 7.8.2.1). É responsabilidade do Laboratório, a garantia da validade dos resultados (17025 7.7). Especificamente em relação aos softwares de prateleira, estes devem ser validados pelo laboratório (17025 7.11.2). Existem diversos softwares comerciais para gestão de laboratórios e calibrações, e cabe aos laboratórios a validação dos mesmos, porque o Inmetro não emite uma lista de softwares aceitos. E, da mesma forma, cabe ao laboratório se responsabilizar pela segurança cibernética de seus registros (17025 8.4.2).
 
E aí o blockchain surge como uma tendência promissora. Pode-se considerar o blockchain como um conjunto de dados, distribuído para criar uma estrutura (designada como um livro-razão), cuja integridade vem do consenso entre um conjunto de pares. Um blockchain pode reduzir significativamente os custos associados com algumas atividades, fornecendo mecanismos sofisticados, para garantir a integridade e autenticidade das informações e processos, gerenciados por uma rede.

Saboia conta que o Inmetro realiza trabalhos científicos em aplicações de blockchain para metrologia. Existem diversas maneiras para garantir a veracidade dos certificados, sendo recomendada a assinatura digital ICP-Brasil, para os certificados em formato digital.

É bom lembrar de que existem diferentes tipos de plataformas blockchain. As pessoas estão acostumadas às criptomoedas, como o Bitcoin, onde de fato ocorre muito gasto de energia. Mas é possível adotar diferentes plataformas, que são mantidas mediante outros protocolos de consenso, sem necessidade de “mineração”.

O fato é que diferentes organizações podem estabelecer uma cooperação para manter o blockchain. Um exemplo na área da Metrologia, além dos institutos nacionais, você pode ter fabricantes de medidores, laboratórios de ensaio, entidades representantes da sociedade civil, todos cooperando, para manter os dados armazenados no blockchain.

No futuro, todos os processos e procedimentos de verificação precisarão tornar-se digitais, e a transmissão dos dados metrológicos vai pedir uma segurança robusta, sem a qual não será possível garantir que os dados recebidos não foram afetados no processo de transmissão. Isso é relevante, não apenas para questões legais, mas para todos os dados metrológicos utilizados na ciência e indústria.
 
 
“O Laboratório Prymelab, da Presys Instrumentos, trabalhando em prol da transformação digital, buscando inovar e dar cada vez mais agilidade ao cliente, criou um local seguro em nosso site, para os clientes baixarem os certificados em PDF, com login e senha. Esta operação é validada e segura, para garantir acesso rápido para baixar certificados dos padrões enviados para nosso Laboratório. E para aqueles que possuem o software de calibração Isoplan 5, aqueles dados de calibração dos certificados que precisavam ser digitados no sistema para a análise dados e posterior cálculo de incerteza – não precisam mais, pois, a calibração traz automação ao processo, e o deixa livre de papel e de atividades manuais, com geração de dados criptografados em arquivo .CCP, que facilita a importação destes dados diretamente para o Software de calibração”, conta Newton Bastos, da Presys.
 
A Solvay de Paulínia calibra aproximadamente 415 malhas de Qualidade/ Meio Ambiente, e 1250 de Segurança, lembrando que o laboratório da Solvay do site utiliza instrumentos de calibração certificados e rastreáveis. Hugo Hashizume, da equipe de Manutenção Preditiva/ Confiabilidade da Solvay de Paulínia, ressalta que a calibração dos instrumentos nos processos de produção é essencial para garantir medições corretas de variáveis importantes para a qualidade do produto, segurança, meio ambiente e produtividade. “No ano passado, finalizamos o projeto Calibração sem Papel, aqui no site de Paulínia, em que integramos o software ISOPLAN com os calibradores advanced da Presys, eliminando as anotações em papel dos dados brutos, coletados durante a calibração. Agora, todo o processo de calibração pode ser realizado de forma automática ou semiautomática, dependendo da variável a ser calibrada”, conta Hugo.
 
Rodolfo Saboia destaca ainda que os métodos tradicionais de calibração são compatíveis com a Indústria 4.0, porém, novos métodos e novos escopos surgem a partir do advento da Indústria 4.0. “Dentro do BIPM, Euramet e SIM, várias iniciativas de Metrologia para Transformação Digital (M4DT) estão ocorrendo atualmente. No âmbito do SIM, por exemplo, foi criado um grupo de trabalho para esse tema (MWG 14 – M4DT). O European Metrological Cloud (Euramet) é uma nuvem de dados para armazenar informações metrológicas (incluindo Certificados de calibração digitais), entre os organismos da Comunidade Econômica Europeia e, neste caso, umas das possibilidades de implementação pode ser utilizando Blockchain. Uma iniciativa muito interessante é o Nist on a Chip (Nist), padrões metrológicos primários, encapsulados em dispositivos de tamanhos de chips, e que podem ser enviados para indústria para calibração de instrumentos in site. A Indústria 4.0 (ou outra denominação equivalente) é uma área que vai impactar intensivamente a metrologia, tanto demandando novos tipos de calibração, quanto novos processos para realização de calibrações tradicionais”.
 
 
 
Fernando Yamada J. de Araújo, gerente de manutenção e projeto da Chevron Oronite Brasil Ltda. conta que sua unidade calibra em torno de 4.000 instrumentos, nas grandezas de pressão, temperatura, nível e vazão. As grandezas de pressão, temperatura e nível são calibradas internamente, em sua grande maioria; as de vazão, externamente, ou através de laboratório móvel de fornecedor que vem até a planta. “A inovação da calibração é tracionada pelas mudanças em novas linhas de produção, que necessitam de cada vez mais instrumentos para possibilitar uma operação remota, e as calibrações devem ser feitas com maior eficiência, para exigir o mínimo de tempo parado de uma unidade e/ou equipamento. E essa inovação também é exigida por processos de segurança nas indústrias onde precisamos ter maiores garantias de que uma calibração foi realizada dentro dos parâmetros exigidos, e um processo de calibração digitalizado, que evite fraudes, é crítico para a empresa”.
 
Na Chevron, os estudos para determinar a frequência de calibração para os indicadores de performance são realizados seguindo a determinação dos fabricantes como orientação inicial, porém, realizando uma avaliação crítica, em relação à aplicação do instrumento, ou seja, se o instrumento é aplicado em um processo crítico, ou se ele é uma salvaguarda de processo, seu processo de calibração e teste funcional vai acontecer numa frequência menor. “Temos internamente um processo de validação e verificação de ordens de serviço para os trabalhos de manutenção, onde é realizada uma amostragem semanal de, no mínimo, 3 ordens de serviço, sendo uma ordem para cada tipo de trabalho, manutenção de emergência, corretiva ou preventiva, que inclui os trabalhos de calibração. Nessa verificação, é realizada uma avaliação de se todas as etapas de um trabalho preventivo foram efetuadas, ou seja, desde a programação até a conclusão do trabalho e suas respectivas documentações, arquivadas no nosso sistema ERP SAP. Todos os desvios encontrados são endereçados para correção, tendo como meta mínima 90% de atendimento dos requisitos”, conta Fernando Yamada.
 
 
De tempos em tempos, a unidade de Paulínia da Solvay/Rhodia também realiza estudos de alteração de frequência de calibração e, com a indústria 4.0, o site iniciou alguns trabalhos voltados para a metrologia. Atualmente, as calibrações utilizam o ISOPLAN – software de gerenciamento de calibrações e local em que são inseridos os dados, e armazenados todos os certificados de calibração (documento eletrônico). Hugo Hashizume conta que recentemente a equipe integrou o ISOPLAN ao SAP, para evitar a necessidade de se introduzir a mesma informação nos dois sistemas.
 
 
“A inovação na calibração acompanha os novos projetos da unidade, como retrofit ou novas linhas de produção. Com estas mudanças, adquirimos novos padrões de calibração, garantindo a eficácia nas medições. E seguindo as normas e boas práticas, fazemos estudos de frequência e criticidade, para o melhor desempenho dos equipamentos de medição. Esses estudos são efetuados anualmente por equipes de técnicos validados, por engenheiros de automação e controle. Isso ganha importância, porque estamos caminhando para a automatização da calibração”, conta Elieser Corregio, da Manutenção EEI-ADM Celulose-Utilidades da Suzano, unidade Limeira. “Já iniciamos o processo de certificação via ISOPLAN desde 01/2022, e estamos adquirindo conhecimento do uso desta ferramenta, porque ainda utilizamos papel, mas nossos certificados são armazenados nas ordens de serviço do SAP, e também do software ISOPLAN, dentro do nosso banco de dados. Utilizamos o SAP para gerenciar as calibrações e, em breve, vamos integrar o ISOPLAN a ele.”
 
A Chevron Oronite também está na fase de transição, de certificados preenchidos manualmente, para certificados gerados em PDF, pela própria bancada de calibração. “Utilizamos o SAP PM (Plant Maintenance) para a gestão da rotina de manutenção, módulo integrado com o processo de aquisição de materiais no SAP, e com a visão de estoque de peças no Almoxarifado. Também possuímos um PowerBI, desenvolvido pela companhia, para acompanharmos os principais indicadores de manutenção em tempo real. Para avaliações de desempenho de ativos, utilizamos o Meridium, onde controlamos a parte de tendências de equipamentos fixos e estudos de Confiabilidade, também integrado com o SAP. E estamos no processo de migração, para realizar a aprovação dos certificados diretamente de forma eletrônica, inclusive o arquivo dos certificados dentro do nosso ERP”, conta Fernando Yamada.
 
Daiana Carla, Gestora de Contas da Sensycal, diz que os certificados emitidos por um software de calibração ou relatórios de verificação para os equipamentos de campo podem, sim, ser rastreáveis. “Neste processo, o mais importante é que a calibração do seu instrumento padrão esteja dentro do prazo de validade, tenha sido executada em laboratório acreditado pela CCGRE, rastreável ao Inmetro, e seja melhor que seu equipamento de processo. Desta maneira, os relatórios de verificação irão mostrar o erro encontrado, e aí cabe, ao time de análise crítica, analisar e informar se este erro está dentro do critério de aceitação do processo”. Ela pontua que, para calibrações in site, é necessário uma ter uma equipe capacitada, um time de análise crítica, e padrões confiáveis, com exatidão de 3x a 10x melhor que o equipamento de campo.
 
 
A digitalização do gerenciamento de dados de calibração requer uma compreensão completa dos processos e fluxos de trabalho subjacentes, mantendo em mente toda a importância e experiência das equipes que cuidam disso. “A calibração tem papel vital para que consigamos identificar consumo excessivo, avaliar consumo específico das unidades de fabricação e emissões em geral. Sem uma medição correta, não se pode identificar a situação atual, as oportunidades ou avaliar o resultado de melhorias do processo. Seja em papel ou digitalmente”, reforça Hugo Hashizume.

“O objetivo da calibração é nos certificarmos se o equipamento está apto ou não para o seu uso específico. Isto porque o uso de instrumentos não calibrados pode reduzir a precisão das medições, comprometendo a qualidade final do produto, e gerando desperdícios e ineficiências aos processos da empresa. Nossa unidade é dividida por áreas, e a nossa aqui tem mais de 1.000 equipamentos calibrados e certificados, obedecendo os critérios de criticidade e frequência”, conta Elieser Corregio, que ressalta o impacto da calibração nos resultados ambientais de qualquer empresa. “Manter nossos equipamentos confiáveis, reduzindo desperdícios e minimizando gastos de insumos dá suporte para melhor qualidade do produto, sem consequências diretas ou indiretas para o meio ambiente”.
 
 
E como são preparados os profissionais responsáveis pela calibração dos instrumentos nas empresas? Na Chevron Oronite, todos os profissionais da área de instrumentação passam por treinamento no procedimento de calibração de instrumentos, assim que iniciam suas atividades na empresa, os mesmos também passam por uma reciclagem desse treinamento, a cada 2 anos.

Na Solvay/Rhodia, todos os técnicos de instrumentação possuem treinamento interno nos procedimentos de calibração, além do treinamento prático. Há um conjunto de ferramentas e sistemas para acompanhar o desenvolvimento dos funcionários, desde seu onboarding na empresa. Além dos requisitos e treinamentos necessários para operação dos postos de trabalho e normas mandatórias, a empresa trabalha com outras formações como, por exemplo, capacitação de auditores internos ISO 9001:2015 e ISO 14001:2015. Também foca em especializações nas técnicas analíticas, como ICP/OES, Cromatografias Líquida, Gasosa e Iônica e Potenciometria, além de formações em outras habilidades complementares, tais como Técnicas de Gerenciamento de Projetos, 6 Sigma, Sistema Ágil e Percepção de Risco. A Solvay/Rhodia mantém sistemas para autoaprendizado, sistema de Coach por especialistas para Otimizações e Melhorias de Processo, e estrutura que garante a gestão da confiabilidade dos equipamentos, tendo como base formações em cursos técnicos de química e bioquímica, e nível superior em Química.

Na Suzano, os profissionais de nível técnico são preparados em empresas qualificadas em calibração e certificação, e estes repassam para outros técnicos todo aprendizado, para que possam equalizar os conceitos de calibração.
 
 
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