Mais que ser um simples encontro de profissionais do setor, o seminário Rio Automação buscou discutir os principais pontos que rondam as expectativas dos fornecedores de automação, instrumentação e sistemas para petróleo e gás – para a Petrobras em especial. Não que as perguntas importantes tenham sido respondidas a contento – por ambas as partes: como e a quem se dirigir para apresentar proposta de desenvolvimento de instrumento? Por que a responsabilidade pela parte de Telecom fica sempre a cargo do usuário? São dois exemplos. Carlos Henrique Wildhagen Moura, consultor da Petrobras, falou sobre as expectativas e desafios da companhia na exploração do pré-sal no que diz respeito às áreas de automação e instrumentação. E, sim, a equipe está atenta às necessidades que serão muitas, principalmente levando em consideração que, segundo o planejamento estratégico da empresa, a Petrobras deve produzir 3,9 milhões de boe/d em 2014! E nem 10% disso vai vir do pré-sal... A Petrobras anunciou investimentos de US$224 bilhões para o período de 2010 a 2014.
Levando-se em consideração que 53% desse montante são destinados a E&P e que se considera que o custo da automação seja de 3% a 5% de todo projeto, o setor pode vender muito. Esses valores se referem tanto aos projetos do pré-sal quanto do pós-sal – que consomem a maior parte dos investimentos. Mas será que os fornecedores têm o que o cliente quer comprar? "A produção naturalmente decresce se não fizermos nada. Hoje, estamos crescendo 4,9% ao ano, mas queremos crescer à uma taxa de 9,4% ao ano até 2014, e da ordem de 7,1% ao ano se considerado o período até 2020.
E a tecnologia faz parte da solução. Temos hoje mais de 16 projetos de novas unidades de produção offshore em andamento nos mais variados estágios de desenvolvimento", pontuou Carlos Henrique, que lembrou alguns direcionadores estratégicos da Petrobras como a simplificação das UEPs – Unidade Estacionária de Produção, com padronização; diminuição do peso e do número de pessoas embarcadas; com aumento da eficiência energética que inclua minimização de emissões e descartes; aumento da receita – considerando a possibilidade de expansão das instalações utilizando modularização de sistemas e viabilizando unidades de maior capacidade; diminuição do custo global – minimizando Capex, Opex e tempo de construção e comissionamento; e estímulo a nacionaliza- ção de equipamentos críticos envolvendo fornecedores no início do projeto.
Para dar suporte remoto à operação das Unidades de Produção foi adotada a estratégia de centros colaborativos denominados GIOP – Gestão Integrada de Operações que busca compartilhar o conhecimento para otimizar o trabalho. Aí se encontram também desafios para os responsáveis pela automação que devem criar os meios para que as informações estejam disponíveis as pessoas certas em tempo hábil. Outro desafio diz respeito à robustez dos sistemas de automação que estão sendo concebidos, associada ao uso de tecnologias como gerenciamento de alarme, gerenciamento de ativos de instrumentação, aplicativos para sintonia de malhas e gerenciamento de malhas de controle.
A arquitetura básica de automação e controle para o pessoal de E&P da Petrobras está baseada em CLP, com redundância de processamento e encaminhamento do sinal: a equipe opta sempre por tecnologias já testadas e aprovadas, tanto para os sistemas voltados para o casco (utilidades e sistemas navais) quanto para os topsides e com o maior conteúdo local possível. E aí, como ficam os SDCDs? Segundo Carlos Henrique, existe até um programa para nacionalização deles. E há uma lista de programas interessantes como o que trata dos atuadores hidráulicos para suportar as pressões do pré-sal: para uma válvula shutdown de 34" o atuador precisaria ter 16 toneladas!
Como entrar num deles? Os filtros tradicionais – e outros valem aí também, bem como as restrições a fornecedores estrangeiros. "Os indicadores de conteúdo local têm se tornado mais exigentes e multas previstas por não atendimento fazem parte de todos os contratos", lembra Carlos Henrique. Novos projetos têm conteúdo local elevado. Foram citados exemplos de processos recentes de aquisição de sistemas de automação com 100% nos serviços e de 10% a 80% em hardware, contemplando ainda 70% de todo o escopo nacional. Em alguns casos recentes, como o anteriormente citado, a automação já não é escopo de EPCista e sim de um Contrato Global de Automação, que não é um MACMain Automation Contrator.
"Vamos ganhar economia de escala e conhecimento com a primeira licitação nesse novo método. Os sistemas de automação foram separados dos cascos e dos topsides para ganharmos velocidade de construção, uniformidade, tempo e segurança. Nós precisamos de sistemas simples, testados em campo e comprovados como seguros. E temos ainda que ser aderentes aos requerimentos governamentais de conteúdo local, o que é atendido pela arquitetura adotada", afirma Carlos Henrique.
O consultor sênior da Gerência de Engenharia e Produção de Processamento e Medição de Fluidos da Petrobras, José Alberto Pinheiro, apontou as tecnologias empregadas pela companhia na medição de petróleo em linha (medidores de deslocamento positivo, turbina, medidores Coriolis e ultrassônicos), na medição de gás natural (medidores tipo pressão diferencial – placa de orifífio, Venturi, V-Cone – ultrassônico, turbina e Coriolis) e também na automação dos dados de medição, como as estações IHM da ANP, os sistemas supervisórios das plataformas e as redes Ethernet. Pinheiro lembrou que, se a medição é on line em tempo real, o envio dos dados de produção à ANP não o é, já que a informação tem que ser transformada em arquivos XML e criptografada. E que cada instrumento tem seu cadastro na ANP para ser reconhecido nesse envio.
O que gera uma demanda por tratamento de dados e transmissão automática com gerador de arquivos XML na própria IHM – que tenha assinatura digital reconhecida pela ANP –, arquivos com HASH. Tudo indica que, no futuro, serão instalados servidores da ANP nas instalações de produção dos concessionários. "É preciso lembrar que o pré-sal é composto de reservatórios não convencionais, heterogêneos, situados em águas ultraprofundas, sob altas pressões, apresentando fluidos contaminantes. São muitos desafios para as medições como, por exemplo, o gás ter mais CO2 – há que se fazer a remoção dele e sua injeção de volta aos reservatórios, ajudando a sequestrar o carbono que seria lançado na atmosfera.".
De fato, o pré-sal traz aumento da complexidade no processamento de fluidos que vai além da necessidade de unidades de remoção do CO2 e de turbocompressores. Serão necessários também motocompressores diversos para a exportação e injeção do gás, unidades de flare, trocadores de calor especiais, entre outros sistemas. A remoção do CO2 (e outros gases contaminantes) deve ser feita por membranas – que tomam muito espaço e fazem cair a pressão drasticamente, o que gera desafios para a medição, em especial na sua injeção em altíssima pressão (cerca de 550 bar).
A medição de grandes volumes transferidos impõe o desafio de calibrar in loco, que leva a verificações com fluidos alternativos. Um estudo, com base volumétrica, da PUC-Rio mostra que é possível fazer esse trabalho com altas vazões e rastreabilidade utilizando o fluido água. A medição analítica em linha ganha importância devido aos contaminantes, mas Pinheiro lembra que esses analisadores são difíceis de se controlar e manter porque precisam de pessoal especializado para acompanhá-los e também para realizar as análises comparativas em laboratório. Como desafios adicionais, o acompanhamento rigoroso do sistema de dessulfurização do gás natural e acompanhamento do sistema de tratamento para descarte ou reinjeção. "Utilizar cromatógrafos em linha será uma experiência nova para a equipe. Já estamos utilizando medidores multifásicos, que simplificam a instalação, além de disponibilizar on lineos dados de vazões e propriedades dos fluidos diretamente dos poços", comentou Pinheiro exemplificando a variedade de tecnologias a que as diversas equipes da Petrobras estão expostas no momento.
Os medidores multifásicos e de gás úmido serão necessários no pré-sal e sua utilização em nível internacional já está consolidada – estima-se um número de entre 25 a 200, dependendo das configurações a serem adotadas nos arranjos submarinos. A mistura de contaminantes esperada no pré-sal leva também a estudos que incluem pressões e temperaturas superiores aos valores críticos estabelecidos, com a geração de regiões supercríticas onde o fluido na fase vapor se transforma em fluido denso – fluido com massa específica que tende a se aproximar da fase líquida. A Petrobras estuda essa região supercrítica para misturas ricas em CO2 onde a utilização dos medidores do tipo Venturi ou V-Cone se apresentou como a mais adequada, dada a menor perda de carga total e menores trechos retos.
A equipe utilizou a equação o AGA-8 para uma mistura rica em CO2 onde se estimou a incerteza da medição do gás rico em CO2 em ± 2,45%, valor inferior ao previsto pelo Regulamento ANP-Inmetro (±3%) e que, em base mássica, tem incerteza reduzida para ±1,40%. Pinheiro falou também sobre a medição de gás de tocha – onde o medidor mais usado é o ultrassônico de 1 feixe -, que tem como características os amplos ranges de vazão e velocidades, variações bruscas na pressão, grandes diâmetros utilizados, necessidade de baixa manutenção e baixa intrusividade, dificuldade de garantir longos trechos retos e impossibilidade de condicionadores de fluxo.
A possibilidade de processar o gás natural em alto mar com a geração de GNL é forte e gera necessidades específicas como as unidades de liquefação de gás natural embarcadas e a medição do fluido em condições criogênicas e sob altas pressões. O Painel "Desafios de automação para operação remota dos campos do pré-sal" só pôde mostrar experiências internacionais de aplicações offshore, já que o Gedig da Petrobras não foi abordado. Paulo Garcia, da Invensys, resumiu os desafios da operação remota: reengenharia de segurança e confiabilidade; soluções de telecom; ergonomia das salas de controle; reengenharia de procedimentos operacionais como a transferência de controle entre satélites e centros de controle e as sequências de shutdown e startup remotos; a integração entre processos e negócios; o suporte a decisão; e as pessoas envolvidas.
Mas Paulo citou um modelo de gerenciamento remoto onshore bem sucedido: o sistema Scada Geo distribuído da TBG – que completou 12 anos e possui vários níveis de segurança. Claudio Fayad, da Emerson, focou numa aplicação offshore de sucesso da empresa, em conjunto com a parceira Soldberg & Andersen (S&A), no Mar do Norte para mostrar soluções já existentes para alguns desafios do présal como distância da costa, características ambientais, falta de mão de obra, saúde, segurança, meio ambiente, tempo para a exploração e alto investimento de desenvolvimento. Fayad utilizou a definição da consultoria Cera para o campo de petróleo digital do futuro: a visão do campo de petróleo digital é de operadores, parceiros e empresas de serviços procurando utilizar as vantagens de dados melhores e gerenciamento de conhecimento, ferramentas analíticas avançadas, sistemas em tempo real e processos de negócios mais eficientes.
"A comunidade que se reúne aqui no Rio Automação é que vai fazer isso acontecer, vai tornar o campo digital real. O tempo para isso é curto e a chave é a Operação Integrada, multidisciplinar, o que envolve tecnologias do poço à gestão", afirmou Fayad, que mostrou a solução que a Emerson da Noruega e a Soldberg & Andersen realizaram em um bem sucedido projeto de monitoração remota de válvulas de vários clientes, onshore e offshore no Mar do Norte. Operação segura é fundamental e o diagnóstico e manutenção apropriados das válvulas são palavras chave – esse diagnóstico agora é executado remotamente. Posicionadores inteligentes geram muita informação sobre a saúde e o desempenho das válvulas, informação esta enviada através do protocolo Hart.
As válvulas capturam informação no local e enviam-na a uma única sala remota nos escritórios da S&A em Bergen, Noruega, onde os peritos podem verificar a saúde das válvulas. Mas esta é uma comunicação em dois sentidos, pois também é possível da sala remota, testar o desempenho de uma válvula. Durante a parada programada, ou se uma válvula for retirada, as válvulas podem ser testadas de maneira completa e dar informação também sobre o desempenho do atuador, etc. A partir daí, é feita a comparação do desempenho atual da válvula com o registro histórico do desempenho das válvulas. No controle, além das ferramentas de diagnóstico avançado, há um grupo de expertises que executam, além das atividades do dia-a-dia, a identificação de problemas e os resolvem com mais agilidade em conjunto com o pessoal embarcado.
Uma vez que a equipe de especialistas determina que uma válvula precisa de reparo, o cliente é notificado, e é possível requisitar as peças para uma manutenção programada. Além a facilidade do diagnóstico remoto, a solução utiliza vídeo conferência. É uma maneira de combinar um especialista com pessoal próprio em cada uma das plataformas – manter um especialista em cada plataforma tem custo proibitivo. Essa solução está se transformando em padrão para os maiores produtores de óleo e gás na Noruega. A GE trabalha as soluções de automação para operação remota no pré-sal baseada em três premissas: de que deve haver um sistema de telecomunicação de alta performance e confiabilidade implantado; de que o controle remoto de cada plataforma não é considerado procedimento regular; e de que a operação tem recursos otimizados.
Tudo isso respeitando as normas e legislação, e seguindo a ISA S95. A grande questão do gerenciamento remoto pareceu ser o tal single point of responsability, a garantia da integridade da informação porque, apesar dos sistemas de telecom e automação precisarem ser desenvolvidos juntos para evitar problemas, os fornecedores de automação não tocam nessa "área cinza" por causa da expertise necessária em TI. O conteúdo local dos fornecimentos para o pré-sal foi questionado, ainda que no debate se acordasse que 80% dos serviços e 20% dos equipamentos mesmo para esse segmento estejam garantidos. Em outros segmentos do setor de óleo e gás, os serviços são 100% nacionais e isso pode acontecer para a área do pré-sal já que grandes players estão investindo em centros de pesquisa no Brasil – por conta da obrigatoriedade de investir 1% em P&D – e grandes fornecedores também!
A GE anunciou investimentos vultosos na construção de um centro de pesquisa no Brasil. Invensys e Emerson também consideram o treinamento e a formação importantes em novos moldes, através de convênios com universidades. Outro investimento imprescindível quando se fala em treinamento deve ser feito em simuladores. Não há tendência para plataformas completamente desabitadas, mas para diminuição do número de pessoas embarcadas, com apoio remoto de especialistas. A questão da formação foi debatida em particular pelo Senai – na pessoa da supervisora do Senai/CTS automação e simulação, Leila Monteiro Reges , o coordenador da Pós Graduação em engenharia de instrumentação do IBP, Paulo Dias, e Marcos Peluso – internacionalmente renomado e laureado engenheiro brasileiro contratado pela Emerson no anos 90.
E a discussão sobre a mão de obra do setor passa necessariamente pelos anos 80 e 90, quando a maioria das empresas reduziu seus quadros o que, além de sobrecarregar os remanescentes, desencorajou as novas gerações. Peluso lembrou que, ainda que a oferta de vagas tenha aumentado nos últimos anos, a evasão nos cursos de engenharia chega a 50% nos dois primeiros anos. Muito devido a baixa qualidade do ensino médio e um pouco pela distância entre grade curricular e aplicação imediata.
O apagão da mão de obra especializada no Brasil afeta de maneira mais profunda o setor de petróleo e gás. O Brasil tem seis engenheiros para cada mil trabalhadores quando deveria ter 25. E, com exceção do Promimp, o país não tem política para formar mais que isso, como Índia, China e Coréia. O que pode alavancar essa formação é a economia de mercado: com a procura por engenheiros, o salário de recém formados brasileiro está em alta. Mas, segundo especialistas, são necessários sete anos de experiência para que um funcionário possa tomar decisões críticas na área de petróleo e gás. Peluso apresentou, de maneira resumida, o conhecimento necessário para o profissional de automação e instrumentação: na época da pneumática, era necessário saber física, matemática, mecânica dos fluidos – para cálculos de placas de orifício, válvulas, etc -, termodinâmica, mecânica, química – compatibilidade dos materiais – e teoria de controle.
Na época da instrumentação eletrônica analógica, a esse rol de conhecimento somava-se a eletricidade e novas ferramentas, comportamento dos sinais eletrônicos, interferência eletro magnética e instalação em áreas classificadas. Quando entramos na época digital, mais alguns parâmetros de conhecimento foram incluídos: era preciso saber também configuração através de computadores ou programadores portáteis, programação de PLCs e SDCDs, comunicação digital – Hart, Fieldbus, Profibus, DeviNet e outros protocolos –, ferramentas para trobleshooting e novos anacronismos como EDDL, FDT, DTM, etc. Hoje, ainda é preciso saber sobre instrumentação wireless, Wi-Fi, computação, etc. "Não é pouca coisa. E é preciso, além do tempo, interesse do próprio profissional em saber mais, para reforçar a base se achar que ela não é sólida, buscar cursos de extensão, querer saber os "por quês".
E os profissionais mais experientes precisam atuar como mentores, repassar a experiência", afirma Peluso, que não se esqueceu de orientar os fornecedores de tecnologia para que busquem simplificar e padronizar a configuração, a instalação o comissionamento e a operação, e promovam uma interação perfeita entre as diversas ferramentas de projeto e de configuração. Às empresas usuárias também deixou recado: é preciso oferecer cursos e estágios, promover programas de coaching, buscar aproximação com universidades e ampliar a cooperação com as escolas técnicas. A formação é mesmo um processo dinâmico e constante, em qualquer área. Tanto mais no setor de petróleo e gás que tem visto se multiplicar as tecnologias, práticas e normas.
E o painel "A nova fase da medição fiscal" mostrou bem isso, não apenas do ponto de vista da tecnologia, mas também do da formação: no Brasil não existe uma certificação para garantir que o técnico está apto a fazer seu serviço, como existe no Mar do Norte, por exemplo. Todas essas colocações reforçaram o painel sobre "Novas formas de contratação da automação em grandes empreendimentos". Em análise, o MAC – main automation contractor. A discussão é providencial porque 75% dos projetos da Petrobras estão em fase de conceituação, fase onde se pode aproveitar melhor o impacto das tecnologias de automação na redução dos custos e do tempo de comissionamento. Então, o EPC dá lugar ao PEPC, ao MAC, ao IMAC.
Carlos Barateiro, gerente da Emerson e mestre pela UFF, apresentou um pouco de sua dissertação onde mostra vantagens e desvantagens de fazer primeiro as parceiras estratégicas. Para Barateiro, o atual modelo de contratação, baseado no menor preço, acaba levando à entrega do mínimo necessário para atendimento às especificações. E a pouca importância orçamentária leva a baixo envolvimento do usuário final e contratistas com os fornecedores. Cláudio Makarovsky, presidente da Dresser no Brasil e coordenador do Seminário Rio Automação, frisa, contudo, que MAC pede conhecimento profundo de sistemas/automação/instrumentação e do processo do cliente. Com conhecimento do processo, não é necessário um projeto finalizado para saber o que será necessário. Por exemplo, conhecendo um FPSO e onde ele vai atuar e conhecendo a tecnologia disponível, pode-se delinear a automação, instrumentação e os sistemas.
Na abordagem tradicional, a automação entra no terço final da execução porque é considerada commodity e caba vindo de múltiplos fornecedores, gerando tempo e custos adicionais para equalizar e integrar tudo, com grande retrabalho na pré-operação. Já na forma MAC, a automação é considerada estratégica e o único fornecedor é contratado antes da engenharia básica. A questão levantada no contexto do MAC é que, ao colocar o poder de contratação nas mãos de uma única empresa, ela irá colocar seus próprios produtos de maneira prioritária, transformando os "melhores preços" do que for necessário adquirir de terceiros em "meus preços": a pressão sobre subfornecedores aumenta e os integradores sentem insegurança quanto a sua própria sobrevivência.
A dissertação de Barateiro lembra que o atual modelo de contratação, baseado em vendor list e cadastro, dificulta a formação de parcerias. Mas não as impede, ainda que o MAC deva considerar todo o escopo da automação, incluindo a parte de campo – com ressalvas para itens intrusivos – e sempre com integração com os pacotes elétricos. Mas Barateiro ressalta que, apesar dos ganhos das compras antecipadas, observam-se atrasos na entrega desses itens nos projetos em andamento no país. Na pesquisa realizada por ocasião da dissertação, Barateiro levantou que experiência/referências, capacidade do fornecedor e capacidade de suporte local são os principais fatores apontados para que o modelo de contratação maximize os ganhos de plantas digitais, muito à frente do fator preço.
Barateiro explanou sobre os modelos de contratação e a escolha do fornecedor, sugerindo sistema de classificação de propostas. A discussão da forma de se contratar ganha relevância quando se nota que entre plataformas e embarcações de apoio, um estaleiro coreano faz 360 unidades por ano! No Brasil, a P-57 teve conversão feita em Cingapura em um ano e meio – e a integração dos módulos aconteceu em seis meses, sem contar o tempo de aprovação do projeto e de licitação; a P-55 está atrasada... O tempo médio é de 33 meses para fazer uma plataforma de grande porte na Ásia, enquanto no Brasil, isso leva de 44 a 48 meses. E tudo tem que ter Conteúdo Local maximizado! E as regras são pra valer.
Tanto que a ANP, ainda que tenha a prerrogativa de aceitar "atenuantes" apontou que Petrobras, Petrogal, Petrosynergy e Shell precisam se explicar sobre 70 dos 749 contratos analisados sobre a 5ª e 6ª rodadas, que não alcançaram Conteúdo Local proposto. Desses, 44 são de responsabilidade da Petrobras – o que pode se traduzir em multas que chegam a R$ 28 milhões.
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Conteúdo Local, segundo Miguel Mirilli, professor de Direito do Petróleo da FGV-Rio significa "a proporção expressa como uma porcentagem entre o somatório dos valores dos bens de produção nacional e dos serviços prestados no Brasil e o somatório dos valores totais de bens e serviços, adquiridos, direta ou indiretamente, pelo concessionário, referente às operações de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás.
O Conteúdo Local, além de ser um critério objetivo para a disputa de licitação dos blocos exploratórios, também é um compromisso do Concessionário em atender algumas condições na execução de suas atividades". Esse compromisso é uma excelente oportunidade para a indústria nacional – talvez chegando um pouco atrasado, oxalá não tarde demais. Um estudioso das cadeias de fornecimento, Victor Prochnik, professor associado do Instituto de Economia da UFRJ, realizou estudo inédito, em 2007, sobre o segmento de instrumentação e controle de processos enquanto fornecedor da cadeia de petróleo e gás. E, através das entrevistas e levantamentos realizados pelo professor Prochnik na época, ficava claro que as importações e o quase nenhum investimento em produção e pesquisa local formam a escolha dos fornecedores.
O estudo veio em boa hora já que a demanda por novas tecnologias, ambientalmente corretas e mais seguras, estão no centro das soluções para o setor de petróleo e gás que vive momento de pressão – em parte pelo pré-sal, em parte por mais segurança, depois do recente acidente no Golfo do México. O segmento também otimiza as atividades, reduzindo custos. O setor é chave tanto da Política de Desenvolvimento Produtivo (2008) como da anterior Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior. Ele está inserido nos setores prioritários e é consumidor intensivo em componentes semicondutores e software – também estratégicos. Infelizmente, exceção feita à iniciativa de fabricação de chips no Rio Grande do Sul, o Brasil nunca buscou suportar empresas nacionais de componentes, todos importados.
O trabalho do professor Prochnik mostrava que, se o Brasil não foi atrás, as fabricantes desses componentes sequer cogitaram vir pra cá, preferindo investir na Ásia. Mas o momento atual é oportuno para tentar virar esse jogo. Tanto que o professor realizou outro levantamento no ano passado, cujas conclusões são, em parte, diferentes. "No estudo de 2010, verificou-se que as intenções de investimento das firmas mudaram. Atualmente, praticamente todas as firmas estão investindo ou pretendem investir.
O estudo de 2010 abrangeu um número bem maior de empresas. As empresas nacionais de automação e instrumentação aplicam valores significativos em pesquisa e desenvolvimento e agora algumas empresas internacionais também fazem têm de P&D no Brasil", complementa o professor Prochnik que completa: "Para as empresas nacionais, há quatro canais de desenvolvimento e absorção de tecnologia, contratos com os clientes (por exemplo, desenvolvem inovações em contratos com a Petrobras, Marinha, outros grandes clientes); alianças estratégicas com empresas internacionais, aquisição de insumos (por exemplo, no contato com a Intel e outras firmas) e iniciativas próprias".
Na cadeia de petróleo e gás estima-se que os gastos com automação, instrumentação e controle totalizem 6% do valor de um projeto. Segundo apurou o professor Prochnik, esse total cai para 0,5% na área de dutos. E o setor de petróleo e gás como um todo é responsável por 25% a 50% do faturamento mundial das fornecedoras desse segmento, dependendo do ano. No Brasil, o faturamento médio anual das principais fornecedoras não ultrapassou os US$350 milhões até agora, mas todas têm crescido dois dígitos por aqui nos últimos anos, ainda que o dólar esteja alto e as importações estejam em ascensão.
O professor Prochnik aponta que as empresas genuinamente nacionais como a Altus, a Coester e a Smar estão ganhando companhia já que o número de pequenas empresas de tecnologia tem aumentado. São empresas que investem em pesquisa e também buscam atuar no mercado internacional. Mas também sofrem as pressões de mercado e algumas, apesar de terem produtos próprios de sucesso ao redor do mundo, optam por representar marcas internacionais por aqui.
Todas as empresas fornecedoras, mesmo as multinacionais, têm plantas no país, estão ampliando instalações ou em fase de construção – ainda que, em termos de eletrônica, tudo continue a vir de fora. O trabalho do professor Prochnik clareia um pouco a falta de investimentos mais intensivos neste país que é bola da vez: "incerteza quanto ao PIB e quanto à demanda futura do mercado de petróleo e gás (...) já que nem sempre (...) Petrobras, devido à incerteza econômica, estão conseguindo implantar seus planos de investimentos. Mas os entrevistados também reconheceram a relevância e solidez dos projetos atuais de investimento da cadeia de petróleo e gás brasileira, o que os tornaria menos dependentes de eventuais conjunturas econômicas".
Certíssimos: a Petrobras postergou duas vezes a divulgação de seu plano de investimentos de 2011 a 2015 e a presidenta Dilma tem apertado o cinto do Governo. Há que se levar em consideração que o mercado interno brasileiro não comporta a fabricação de produtos de automação e instrumentação. E, ainda que a escala mínima varie de acordo com o produto e o método de produção, para o segmento, o Brasil não chega lá. E claro, apesar de toda a performance brasileira, o país não é prioridade para esses investimentos nas multinacionais, que preferem ainda os países asiáticos. Então, se as filiais brasileiras estão com bom desempenho, o cenário não deve mudar.
Além de tudo isso, há a forma de compra. E se o cliente está entre a forca e a caldeira, cerceado por leis, preço e tempo, os fornecedores de tecnologia vêemse nas mãos dos EPCistas que acabam embutindo um certo atraso tecnológico para garantir o cronograma – e pressionavam no preço. Esse cenário pode começar a mudar com novas formas de contratação – discutidas também no Rio Automação – que, se resolvem o problema tecnológico, colocam a pressão de preços no terreno da parceria. Essa área cinzenta onde também se encontraria a solução para estimular as empresas tecnológicas nascentes sem prejudicar a competitividade das já instaladas. Mas nessa zona cinzenta está também o índice de nacionalização que incide sobre os produtos adquiridos pela Petrobras – e aqui produto é convenientemente definido como "a plataforma" , por exemplo, onde o índice de nacionalização pode ser atingido com a compra de aço, apenas.
Aí a Abinee tem trabalhado muito para que o índice de nacionalização seja mais restritivo. E o professor Prochnik lista algumas ações para aproveitar melhor todo esse conhecimento do setor: uma política de transferência internacional de tecnologia, melhor utilização do poder de compra da cadeia de petróleo e gás, em favor do Brasil e a redefinição de "conteúdo nacional" no nível de produto. |