Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 121 – 2006
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Sua mestade, a criticidade

Aquisição de dados é coisa antiga na indústria. Primeiro era feita manualmente, depois, entraram tecnologias para facilitar e tornar mais confiáveis essas compilações, apesar de, ainda hoje, a aquisição manual ser utilizada. E tomar os dados dos processos é algo que começa lá na ponta, nos instrumentos de campo e na instrumentação embarcada. 

Definir as variáveis que serão monitoradas parece uma tarefa fácil mas, como o desejo é de aquisitar todos os dados, isso bate de frente com a capacidade dos sistemas. Então, parte-se para as priorizações, para as variáveis críticas, primeiro. Mas como definir uma variável crítica? Usuários e fornecedores parecem unânimes ao afirmar que depende do processo. O engenheiro Marcelo Guimarães, da unidade de negócios do gás e energia da Petrobras, faz coro com outros usuários ao lembrar que dependendo do processo que se está trabalhando, surge o conhecimento de quais são as variáveis importantes. “Para o seu sistema gerencial ter informações você vai identificá-las dessa forma: o que é importante saber? E então você vai localizá-las nas diversas unidades do processo” afirma Guimarães.

O engenheiro Élcio Rodriguez Aranha, analista de negócios da Fosfértil, completa que “a questão é se a variável é crítica ou não baseada numa condição de processo onde ela poderia estar inserida e, naquele contexto, estar tirando a estabilidade do processo e levando-o para uma condição de insegurança a ponto de explodir um reator ou causar um dano maior ao equipamento”. Ou seja, numa petroquímica, essa variável vai estar inserida justamente nas condições de operação daquele equipamento.

Mais pragmático, o engenheiro Douglas Ruy, gerente de manutenção de controle de processo dos altos fornos da CST, afirma que a variável crítica é aquela em que se tem que manter um nível de controle forte para que se tenha estabilidade do processo, uma variável onde qualquer anomalia pode trazer uma variabilidade para o processo que não se deseja. “Para identificá-las existe o conhecimento do pessoal da planta e também existem ferramentas de suporte que podem ser utilizadas para auxiliar a identificá-las. Usamos um sistema na CST, o Exaplog, que nos auxilia a gerenciar os eventos e naturalmente as variáveis críticas do processo”.

O pensamento do engenheiro Kaku Saito, do Centro de Pesquisas da Petrobras, chega mais perto daquele em voga nos fornecedores: do ponto de vista de variável de processo, uma variável crítica pode ser entendida como aquela que afeta grandiosamente a qualidade de um produto, a segurança da planta, a confiabilidade das instalações. São variáveis operacionais que devem ser bem acompanhadas, bem monitoradas. “Como a gente faz projetos de plantas industriais no Cenpes, conhecemos as variáveis operacionais mais importantes, as principais, em cada parte da planta, em cada parte do equipamento. A gente tem esse conhecimento porque além do grupo de automação, temos um grupo forte de processo que é quem define todos os dados de processo para planta, e junto com a gente, instrumenta o projeto”.

Passa perto da visão dos fornecedores que estão em dia tanto com as novas tecnologias quanto com as necessidades dos mercados. O engenheiro Carlos Fernando Albuquerque, da Siemens, prefere colocar a definição de variável crítica num patamar superior. Sim, ela depende do processo, do tipo de indústria, do projeto. “Mas não devemos nos limitar a definir a criticidade do processo nesses níveis porque, hoje, a automação juntamente com a instrumentação e a tecnologia de informação são fundamentais para o gerenciamento das variáveis críticas do negócio como um todo. Se para um determinado produto são exigidas características específicas e relatórios determinados para a exportação, surgem variáveis críticas que não eram visualizadas antes”.

Apesar das variáveis críticas não estarem obrigatoriamente em áreas classificadas e de muitos não incluirem a redundância como item básico para elas em seus processos, o engenheiro Flávio Mine, da manutenção da Cenibra, acredita que a redundância é, sim, requisito básico para manter a robustez do sistema, e uma segurança maior. Então, se a variável é crítica, além da redundância pode-se utilizar outras formas de medir indiretamente aquela variável para que numa eventual falha de um equipamento ou de uma determinada circunstância onde aquela primeira forma de medir a variável não surta efeito, pode-se ter um disparo de temperatura, uma alteração de pressão ou uma combinação de outras variáveis para que o controle perceba que aquela variável crítica atingiu o valor de desarme – não necessariamente por indicação da variável crítica, mas por indicação de componentes que estariam correlacionados com a variação dessa mesma variável. Na Petrobras existe um procedimento para avaliar quais são as variáveis que precisam ter redundância, levando-se em conta o aspecto de segurança - incluindo-se a segurança das pessoas, do meio ambiente, das instalações e da continuidade operacional. Porque em se perdendo uma variável, pode-se eventualmente levar uma planta a uma condição de parada. Para Douglas Ruy, da CST, a redundância é um dos requisitos mais importantes porque os seus sistemas digitais de controle são considerados elementos críticos. “A concepção dos sistemas dentro da CST procura sempre um nível de redundância, até nas CPUs das redes de controle para que a gente não tenha nenhum um tipo de surpresa”.

Qualidade e tecnologia confiável dos instrumentos são imprescindíveis para se ter a manutenção de uma variável bem acompanhada ao longo de toda a vida útil da planta, seja a variável crítica ou não. É importante uma boa instalação, um correto detalhamento, de construção e montagem porque ainda se encontram muitas falhas de instalação e montagem. “Os cuidados do ponto de vista operacional são imprescindíveis, bem como o conhecimento do processo e, na parte de instrumentação e automação, fundamental é ter equipamentos robustos e confiáveis”, completa Flávio Mine.

A confiabilidade do sistema como um todo é imprescindível e toda a atenção deve ser dada aos detalhes, desde a instrumentação até o sistema de automação que se está utilizando para fazer a aquisição dos dados relacionados às variáveis críticas. O protocolo que se utiliza para fazer a aquisição de dados é um dos cuidados que devem ser tomados na hora de fazer a especificação dos instrumentos do sistema de controle quando se quer confiabilidade, rapidez ou freqüência nessa aquisição de dados. Entram as normas que diferem se o sistema está baseado em PCs, PLCs SDCDs e utilizando Modbus, Profibus ou Ethernet. Mudar o sistema de aquisição para Ethernet pode trazer outras questões importantes para quem estava acostumado a comandos tipo RS485 porque o novo protocolo necessariamente requer conhecimentos de endereçamentos IP, característicos do departamento de TI.Qualquer que seja o protocolo, para variáveis críticas é preciso gerar um scan com velocidade um pouco maior. Dessa forma, dentro do tempo de amostragem de uma variável comum, pode-se fazer duas ou três amostras de uma variável crítica. Élcio Rodrigues Aranha, da Fosfértil, acredita que é extremamente necessário ter uma rotina de calibração, critérios e rotina de aferição e calibração mais restritos, mais apurados para as variáveis consideradas críticas justamente para garantir que a condição de processo indicada seja de real valor. “Eu tenho que ter uma garantia, que aquele equipamento, aquele instrumento está funcionando dentro das características de projeto para garantir a qualquer momento, em qualquer situação, que o dado apresentado por ele seja um dado real. Isso deve ser válido para todas as informações que se aquisita, quanto mais para aquelas vindas de pontos críticos”.

Marcelo Guimarães, da Petrobras, lembra que as variáveis críticas podem ser priorizadas no tráfego geral de aquisição de dados. “A periodicidade com que você aquisita os dados para variáveis críticas é menor. No caso das não críticas você pode ter um tempo de aquisição mais espaçado. Há influência também do próprio comportamento da sua variável, pois como algumas não mudam constantemente, não se tem necessidade de fazer uma aquisição de dados rápida, porque muitos valores serão repetidos, o que talvez não tenha significado e pode até começar a comprometer o seu sistema de aquisição de dados”.

Normalmente em sistemas de controle com DCS  já se tem uma forma de trabalhar com as variáveis pelo próprio sistema operacional, que tem como identificá-las e tem como colocar as variáveis críticas numa forma de leitura mais rápida - o que é muito mais tranqüilo. Mas se a planta possui um controlador, algo como um PLC Scada, ou outra arquitetura, seria necessário escalar, dentro da rotina principal de controle, algumas chamadas de sub-rotina que dariam tratamento a essa variável crítica. O que significa que a escolha da arquitetura, do hardware e do próprio software que se utiliza influência a forma de aquisição e a facilidade como se estabelecem as ações e prioridades. Existem softwares que já possuem a característica de trabalhar com variáveis críticas bastando nomeá-las de críticas ou as colocando numa velocidade de scan mais rápida. Quando o software não possui essa característica o trabalho fica maior porque será necessário programar algum artifício para este tratamento.

Segundo Douglas Ruy, a CST utiliza o PIMs para fazer toda a aquisição de dados da planta, de todas as variáveis, críticas e não críticas - que não precisam de uma taxa de atualização elevada. E, para evitar que haja algum transtorno no tráfego de dados, a configuração do sistema estabelece uma aquisição com uma freqüência mais espaçada. “Já para as variáveis críticas, a gente configura um tempo menor, conseguindo o equilíbrio e não sobrecarregando tanto o tráfego da rede”.

Na Petrobras existe, sim, diferença de tratamento para variáveis críticas e não críticas porque normalmente as consideradas críticas estão associadas aos sistemas de segurança e precisam de um sistema digital de maior confiabilidade e maior disponibilidade. “E como estão associadas a uma malha de controle, tenho que tomar todas as providências de modo que se eu perder aquela variável eu garanta a informação de que há um problema, há alguma anormalidade para os operadores, em tempo hábil. Então eu tenho que tomar providências na configuração do meu sistema digital”, frisa Kaku Saito, do Cenpes. A Petrobras ainda estabelece que se o projeto estiver utilizando uma rede industrial, Fieldbus, por exemplo, e existir uma variável considerada crítica, mas que esteja fora do sistema de segurança, deve-se procurar fazer com que naquela rede se concentrem instrumentos de variáveis críticas. É regra não misturar variáveis menos críticas com variáveis críticas num mesmo segmento. Ainda que, como frisa o engº Roberto Santini de Oliveria, da VCP, “hoje em dia com o barateamento dos custos dos equipamentos, não sejustifique utilizarmos equipamentos mais precisos somente para as malhas críticas”.

Então, o que o usuário busca é um equipamento confiável. Tem que ter alta disponibilidade, facilidade de manutenção, facilidade de trocas - à quente de preferência, para as ocasiões em que surgem problemas. E os usuários não estão se fixando nesta ou naquela tecnologia, buscam a melhor solução, com melhor custo/benefício. E muitos já estão revisando suas estratégias de aquisição de dados, depois de mensurar quais dados são relevantes e utilizados mesmo. As certificações e padrões também são importantes porque por trás da certificação existe uma garantia de qualidade. Mas também já é consenso que quanto mais informação se tem, mais se quer. E os up grades estão sempre na lista do por fazer.

A National Instruments fornece sistemas de monitoração para diversas arquiteturas, para monitoração em computadores, plataformas PXI, através do barramento USB, sistema Compact FieldPoint ou sistemas baseados em FPGA. Os sistemas são programados com o LabView, que permite conectividade com diversos protocolos industriais como Serial, Modbus, Can, CanOpen, Devicenet, Ethernet e outros. Marcos Cardoso, do marketing da NI, lembra que as variáveis críticas são estabelecidas pelo usuário e/ou programador e que sempre que possível deve-se utilizar redundância para elas - o que acaba gerando aumento de custo e tamanho.A NI fornece sistemas wired e wireless, baseados em PCs, que estabelecem  prioridades baseados nas possibilidades do LabView e que evitam a colisão de dados na transmissão através do protocolo escolhido e de switches especiais. Marcos Cardoso lembra que a velocidade na aquisição de dados depende do sinal adquirido, o que determina a placa e o protocolo a ser escolhido. “Os sistemas de aquisição de dados estão cada vez mais inteligentes e distribuídos, ou seja, existe uma atual necessidade de se ter diversos sistemas de aquisição de dados executando diversas tarefas e distribuídos em diversas localidades. Porém esses sistemas precisam ter uma comunicação estabelecida entre si e é necessário um gerenciamento centralizado. Esta necessidade é resolvida pelo conceito de inteligência distribuída”.

Na área de sistemas de controle, a Yokogawa utiliza o Stardom, fundamentado no conceito de network based control system. É um controlador híbrido, associando velocidade de processamento de um PLC com controle regulatório de um DCS e está dividido em dois controladores: uma estação compacta contendo todos os I/Os, portas de comunicação Ethernet e serial, segmentos FF/H1 e CPU embutidos numa única caixa; e uma estação modular expansível que permite redundância e saque à quente de qualquer módulo. Pode ser wired ou wireless e utiliza os protocolos de mercado, ou seja, para o nível H2 - entre supervisório e controlador - utiliza OPC ou Modbus - qualquer deles. No nível H1 - entre controlador e redes de campo - utilizam-se FF, Hart, Modbus, Devicenet e DNP3.O sistema capta as informações via sinal convencional e as disponibiliza via OPC ou Modbus. Eventualmente podem receber tratamento e ser disponibilizadas de outra forma, além de armazenar os dados que não se perdem mesmo em caso de queda no enlace. A colisão é evitada pelo estabelecimento de prioridades em função do tempo de execução (watchdog). No âmbito mundial, observa-se tendência para redes de campo wireless, ainda que pesquisas apontem certa resistência de usuários principalmente no que tange a segurança. Outra forte tendência é explorar ainda mais os recursos que a programação Java proporciona, utilizando-as em servidores web, acesso remoto a informações, comunicação com banco de dados externos, entre outros.

Para Antonio Cardoso Jr., gerente de desenvolvimento de negócios da GE Fanuc, o cliente escolhe as variáveis críticas, de acordo com seu processo. E a empresa acredita que, para pontos críticos, a redundância é ideal e o software escolhido deve ter recursos de failover. A empresa fornece sistemas para monitoração e supervisão que trabalham com os principais protocolos de mercado, como o TCP/IP, e podem trabalhar stand alone, em rede ou cliente/servidor. A GE Fanuc sugere que, para evitar a colisão de dados, deve-se empregar protocolo de comunicação construído a partir da camada de usuário possibilitando ordenação e configuração do tráfego na rede, módulos de interface de rede full-duplex de alta velocidade e utilização de switches industriais com performance e confiabilidade diferenciadas. Também aponta maior tendência para as aplicações wireless, maiores velocidades e confiabilidade.
José Carlos de Miranda Roque, engenheiro da Pilz, trabalha com a definição de que variáveis críticas são as que, ao atingirem certos valores, sofrem transformações que levam a perda de controle e criam situações de prejuízo para vidas humanas, meio ambiente e patrimônio. E pelos prejuízos que podem causar, devem utilizar instrumentação de segurança. Em conjunto com a aplicação de procedimentos de normas de segurança como a IEC 61508 podem aumentar a confiabilidade do controle, reduzindo os riscos. Redundância é um requisito básico para aumentar a tolerância à falha em sistemas críticos mas também são importantes a diversidade e o auto-diagnóstico. Variáveis críticas devem ser adquiridas por elementos primários de segurança e transferidas localmente ao CLP ou remotamente via comunicação segura. Variáveis não críticas podem ser adquiridas por dispositivos convencionais. O engenheiro frisa que devem ser utilizadas redes de comunicação segura certificadas para garantirem a integridade dos dados e a correta priorização do tráfego.
 
 


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