Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 121 – 2006
¤ Artigos Técnicos
Aracruz Celulose – Migração record de SDCD legado em apenas 102 horas, sem perda de produção, durante uma parada programada

A migração do SDCD foi sem duvida um trabalho de muita complexidade e risco, dado o curtíssimo tempo para execução e o compromisso de não se criar nenhum impacto na produção na partida da fábrica pós parada geral. O excelente planejamento das atividades antes e durante a parada, assim como a união e comprometimento das equipes envolvidas foram sem dúvida o fator de sucesso deste trabalho.


A Aracruz Celulose, maior produtora nacional de celulose branqueada tem duas fábricas: uma em Barra do Riacho, Espirito Santo, a outra em Guaíba, Rio Grande do Sul. A fábrica do Espírito Santo é a maior fábrica de celulose do mundo em um único site, e é formada por três linhas de produção construídas em diferentes épocas com as mais modernas tecnologias de processo no momento de sua implementação.

A linha de produção A teve seu projeto iniciado em 1976 e foi concebida para uma produção de 400.000 toneladas/ano de celulose branqueada de eucalipto. Seu sistema de automação era pneumático e assim se manteve até 1997 quando foi modernizado para um sistema de controle distribuído Foxboro Sistema I/A, em sua versão 4, utilizando estações de engenharia e estações de operação com o sistema operacional Solaris-Unix. Esta troca foi efetuada em paradas anuais de manutenção, concomitante com a troca de vários equipamentos de processo. Nesta nova realidade da automação da planta, a Aracruz implementou várias novidades tecnológicas das quais salientamos os primeiros CCM’s inteligentes e o uso de instrumentação de campo que foi também trocada, dos pneumáticos originais, para eletrônica com comunicação digital inteligente.

A linha de produção B teve seu projeto iniciado em 1986, em plena vigência da Lei de Reserva de Informática de triste memória e maléficos problemas herdados pelo País. Essa nova linha de produção foi projetada para adicionar mais 525.000 toneladas/ano de celulose à produção. Seu sistema de automação foi escolhido entre as alternativas que a legislação de então permitia, a elevados preços que oscilavam em torno de 5 a 6 vezes os preços do mercado internacional, e nem sempre com a tecnologia de ponta disponível no exterior. O sistema escolhido foi um Fisher-Provox que cobria toda a linha B além de algumas áreas novas da linha A existente. Uma pequena parte deste sistema foi modernizado em 1999, usando a exclusiva tecnologia de Migração da Foxboro, onde cartões de entrada/saída de sistemas legados são substituídos por modernos cartões Foxboro, mas com formato físico compatível com os cartões legados, possibilitando uma troca rápida sem necessidade de alterar nenhuma cablagem de campo e conseqüentemente, sem necessidade de re-comissionar o sistema. A unidade de Evaporação da Planta B, com 1060 pontos de E/S foi modernizada , para o Sistema I/A no exíguo tempo de 3 horas e 17 minutos, sem impacto em perda de produção. A caldeira de Recuperação B foi modernizada da mesma maneira, mas com execução simultânea à reforma completa da caldeira, sem pressão de cronogramas.

A caldeira de recuperação C foi construída simultaneamente à modernização da linha A, descrita acima, usando a Aracruz pela primeira vez a contratação na forma EPC, com total sucesso em termos de resultados ao atendimento ao cronograma e ao orçamento do projeto. A caldeira C, assim como a modernização da Linha A, foi automatizada com o Sistema I/A Foxboro da Invensys. A existência da Caldeira C é que permitiu à Aracruz reformar a caldeira A e modernizar a caldeira B, como já descrito, sem prejuízo à produção.

A linha de produção C teve seu projeto iniciado em 1998 e o objetivo foi o de adicionar mais 700.000 toneladas/ano à capacidade produtiva da planta. Graças ao sucesso conseguido com a contratação no formato EPC da caldeira C, a Aracruz decidiu então por executar todo esse novo projeto no formato EPC. Assim foram escolhidos 10 contratistas para as diversas áreas de processo da planta, e mais um EPC para prover a automação completa de todas essas áreas. O grande desafio para o contratista de automação seria a complexidade de sua interação com os 10 contratistas de processo, além da própria Aracruz, sem perder o foco técnico e de aderência aos complexos cronogramas, aos rígidos valores do orçamento e ao compromisso de nenhuma interferência na produção das Linhas A e B. A Invensys Systems Brasil foi a empresa de automação escolhida. O Sistema Foxboro I/A fornecido, conforme requisitos específicos de cada contratista, se encontrava então na sua Versão 6, com estações de engenharia/servidores de rede em Solaris-Unix e estações de operação em ambiente Windows NT. Esse sistema foi integrado ao sistema instalado anteriormente na planta A e às áreas migradas da Planta B. Na planta C a Aracruz também utilizou os recursos de comprovada eficácia como CCM’s inteligentes, usando agora redes Profibus DP, e instrumentação de campo com comunicação inteligente. Nesta planta, de forma pioneira no segmento de celulose no Brasil, a Aracruz executou e implementou o projeto usando um Simulador para Treinamento de Operação que produziu significativo retorno sobre o investimento, reduzindo os tempos de partida e com melhoria da curva de aprendizagem que possibilitaram atingir o patamar de máxima produção em intervalo de tempo incomparavelmente menor que qualquer projeto deste porte em todo o mundo.

Com a linha C operando e algumas alterações de processo realizadas, a Aracruz Celulose Unidade Barra do Riacho no Espirito Santo superou a marca de produção de 2.100.000 de toneladas/ano.

Neste momento esta unidade da Aracruz está empreendendo um programa de desgargalamento com o objetivo de aumentar sua produção para 2.330.000 toneladas/ano. Estão previstas algumas trocas de equipamentos, já obsoletos, ou com capacidade limitada, além da troca completa do sistema Fisher-Provox por ser de uma linha antiga e ter alto custo de manutenção. O sistema escolhido pela Aracruz para a substituição do Fisher-Provox foi o Sistema I/A Foxboro, agora em sua Versão 8, com ambiente Windows XP, tendo estações interligadas por uma rede Mesh, Ethernet Chaveada de 100 MB/s, em Fibra Óptica, com múltiplas redundâncias. A vantagem de poder interligar diferentes versões dos sistemas, das diferentes plantas, usando diferentes plataformas de sistema operacional sem qualquer limitação, foi decisiva nesta escolha. O grande desafio, no entanto, era como efetuar a troca completa do sistema legado, sem perda de produção.

A execução de toda a substituição do sistema está sendo feita durante paradas programadas das plantas, sendo que a primeira etapa já foi concluída e será relatada a seguir:
A FASE I do projeto de migração compreendeu as seguintes unidades:

– Digestor B
– Depuração Linhas 3 e 4
– Deslignificação Linhas 3 e 4
– Branqueamentos Linhas 3 e 4
– QCS Secagem Linhas 1 e 2
– QCS Secagem Linhas 3 e 4

Abaixo segue desenho simplificado da Arquitetura do Sistema I/A relativo a primeira fase de substituição do sistema Fisher-Provox:

O grande desafio era o de aproveitar uma parada programada de 7 dias da planta (102 horas disponíveis para a manutenção), parte dos quais poderiam ser usados para desligar o sistema legado, instalar, comissionar e partir o novo sistema, sem impacto em perda de produção. A planta deveria partir à plena carga após os 7 dias, sem qualquer tempo perdido em aprendizagem, como ocorreria normalmente em qualquer projeto de porte similar.

O número total de pontos destas áreas citadas, foi de cerca de 6.000 de um total de mais de 18.000 do Fisher-Provox legado. Esses pontos de entradas e saídas, analógicas (4-20 mA) e digitais estavam distribuídos por 34 armários de conexão ao campo, cujas estruturas metálicas se decidiu manter, por estarem em bom estado de conservação, e também por falta de espaço físico que possibilitasse sua troca no curto intervalo de tempo disponível. Nas outras Fases, ora em andamento serão trocados os mais de 12.000 pontos remanescentes. Isso será efetuado até o final de 2007, sempre de acordo com paradas programadas das diversas áreas, a fim de causar impacto zero em perda de produção.

Além dos 34 armários dos módulos de entradas e saídas foram também trocados os internos de 4 armários onde foram instalados os módulos processadores de controle.
As premissas estabelecidas para a FASE I foram:

– A troca deveria ser feita durante uma Parada Programada de 7 dias durante a qual 102 horas seriam disponibilizadas à automação
– A troca deveria ser feita sem impacto em perda de produção
– A troca deveria ser feita sem curva de aprendizado na retomada após a parada.
As estratégias estipuladas foram:
– Antecipar ao máximo o inicio dos testes
– Maximizar itens que incrementassem a segurança da solução
As atividades previstas para a execução do trabalho foram:
– Estabelecer os Critérios de Projeto – experiência anterior na Linha C, Evaporação B e Veracel
– Estabelecer um Cronograma para o Projeto
– Preparação para a PG – Parada Geral
– Execução e controle do TAF – Testes de Aceitação de Fábrica
– Efetuar o treinamento dos executantes
– Estabelecer um cronograma detalhado de parada e testes
– Listar todas as atividades durante a parada e determinar seus tempos requeridos
– Estabelecer o acompanhamento da Aracruz junto à contratada
– Efetuar a Análise Crítica
– Encerrar a FASE I e iniciar a programação para a FASE II

É evidente que o planejamento desse trabalho ímpar se iniciou vários meses antes da mencionada parada. A Figura a seguir mostra o cronograma básico do empreendimento.

A partir do fechamento do contrato, até a data de entrada em funcionamento do novo sistema, decorreram 4 meses e meio.

Primeiramente foi preciso levantar os desenhos “as built” do sistema em operação, completando e corrigindo a antiga documentação existente. Foi determinado que, a partir do início deste trabalho ninguém mais teria autorização para efetuar qualquer alteração na funcionalidade do sistema. A partir de documentação em papel foram verificados um a um todos os sinais provenientes do campo, seu encaminhamento nas borneiras de entrada do sistema legado, a funcionalidade dos sinais no sistema, de modo a se poder gerar uma documentação que refletisse com absoluta precisão a realidade existente.

Uma vez determinadas as quantidades exatas e tipos de sinais de entradas e saídas Hart e discretas necessárias, foi possível reconfirmar e ajustar as estimativas iniciais usadas na proposta, e a partir daí listar os materiais exatos a serem fabricados e/ou adquiridos. Desta forma, enquanto o hardware era providenciado, foi terminado o levantamento descrito anteriormente e fechada a documentação “as built”.

Enquanto se ultimava essa documentação, e concomitantemente à produção do hardware se iniciou o trabalho de configuração do novo sistema. Esse trabalho compreendia diversas frentes de trabalho. Uma das tarefas consistiu em analisar a redistribuição dos pontos de entradas e saídas entre os dois sistemas, o velho e o novo. Para certos tipos de entradas e saídas a modularidade dos cartões era exatamente a mesma, por exemplo para os sinais de Entradas Analógicas, propiciando uma troca simples de um por um. Nos demais tipos de cartões a modularidade é distinta entre os dois sistemas. Para as saída Analógica e para as Saídas Discretas a relação era de dois módulos antigos trocados por um novo, e para as Saídas Discretas, a relação era de quatro por um. Nestes casos foram analisados ponto a ponto os possíveis agrupamentos com o cuidado de manter a segregação dos sinais por áreas. Esta é uma parte do escopo de trabalho bastante simples porém de extrema relevância pois é onde residirão os maiores desafios de trabalho manual para a troca de fios e cabos, e seu posterior teste, considerando o grande volume de trabalho manual envolvido, em curto período de tempo.

A segunda parte do trabalho de configuração recaiu sobre a arquitetura de sistema, praticamente confirmando os estudos efetuados por ocasião da proposta, sendo feitos apenas pequenos ajustes para compatibilizar com as contagens de entradas e saídas, por tipo e por área de processo. A partir daí foram determinados os controladores, estações de engenharia, de operação, bases de montagem, fontes de alimentação, switches e cabos de fibra óptica necessários, e iniciada sua fabricação. Graças à maior modularidade dos cartões de entradas e saídas do sistema novo, foi possível aproveitar o bom estado dos armários existentes, eliminando o sério problema de espaço físico caso se optasse em instalar fisicamente um sistema antes da retirada do sistema legado. As Figuras que seguem mostram em detalhe as partes que compõem o total da arquitetura proposta para a Linha de Fibras da Planta B, escopo da FASE I, e correspondente a aproximadamente um terço do projeto.

A terceira parte do trabalho de configuração recaiu sobre a elaboração das telas de processo. Foram refeitas cerca de 160 telas, mantendo, tanto quanto possível, o layout e a funcionalidade das telas do sistema legado, para que houvesse mínimo impacto nos operadores habituados que estavam a uma determinada forma de trabalho. De qualquer modo, as telas foram analisadas uma a uma, e discutidas com os operadores referentemente a possíveis melhorias que eles mesmos solicitavam.

A quarta parte do trabalho consistiu na elaboração das estratégias de controle, usando blocos muito mais poderosos que os do antigo sistema. Aí se manteve também, uma funcionalidade similar à anterior, e compatível com as pequenas alterações das telas de operação.

Ao término desse trabalho de engenharia, o material fabricado já estava em vias de recebimento. A metodologia de montagem concebida foi a de criar estruturas formadas por trilhos DIN onde a bases de montagem e os módulo de Entrada/Saída pudessem ser fixados e os trabalhos de montagem mecânica executados. Quando a planta parasse, os cabos de campo, totalmente identificados seriam desligados dos cartões legados, toda parte interna dos armários retirada, e as montagens descritas acima instaladas nos painéis existentes. Começaria aí o mais crítico trabalho. Religar todos os cabos de campo aos novos módulos, e testá-los uma a um, com margem de erro zero. Os trabalhos de montagem foram contratados da empresa Estel, que tem larga experiência nesta área, desde a migração da planta A de pneumático para SDCD em 1997. Foram criadas equipes de montagem, uma por armário, e que se revezavam entre conectar e verificar as conexões, em trabalho direto de 24 horas por dia. A quantidade de fios e cabos manuseadas por armário era enorme, como pode ser visto nas fotos seguintes. Cada eletricista foi treinado para o seu armário especifico, tendo sido entregue desenhos detalhados de cada armário, a cada um. Um kit de ferramentas e dos itens necessários ao trabalho de cada equipe foi distribuído em avanço. A sucata retirada era feita com critério adequado para não atrapalhar a montagem, a passagem, e com o cuidado necessário para não gerar problemas de contágio na produção.

Foi preciso estabelecer métodos para efetuar a conexão de cabos de campo considerando que a modularidade dos cartões de entrada e saída dos dois sistemas não era sempre coincidente. Foi preciso estabelecer uma estratégia para começar a montar o sistema novo concomitante com o velho ainda em funcionamento, considerando o exíguo espaço físico disponível. Foi preciso configurar telas, melhorando quando possível, mas seguindo os modelos existentes para mínimo impacto no conhecimento e experiência dos operadores. Foi preciso configurar as estratégia de controle para operarem exatamente com as mesmas características existentes, com melhorias quando possível, para que não houvesse impactos no momento da partida. Tudo ocorreu absolutamente conforme o planejado.

A seqüência de fotos que se segue mostra como era cada painel antes da migração, o estado em que ficaram durante a troca, e ao final do serviço de troca.

A Fase II e seguintes estão sendo preparadas para execução com o mesmo formato e sempre com o preceito de troca sem impacto na produção, aproveitando paradas programadas, de modo a substituir os 18.000 pontos totais antes do término de 2007.
Esse trabalho constitui um record de troca de sistemas legados desse porte no Brasil, e provavelmente em todo o mundo. A Aracruz Celulose ficou extremamente satisfeita com os resultados obtidos.

Os fatores críticos de sucesso deste trabalho foram:planejamento e controle, disciplina e equipe


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