Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 115 – Abril de 2006
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Gerenciamento muito além dos ativos físicos


Tecnologias para gestão de ativos já fazem parte do presente de diversas indústrias – os próximos estágios de desenvolvimento incluem o diagnóstico e as ações corretivas. Desafio consiste em transformar informação em conhecimento.

Com o amadurecimento da tecnologia e das ferramentas para aplicação de auditoria de desempenho em malhas de controle, empresas fornecedoras e os usuários já começam a traçar os próximos passos de aprimoramento – principalmente em pontos relativos a diagnósticos e ações corretivas.

O advento da tecnologia de barramento de campo e o desenvolvimento de instrumentos inteligentes tornaram possível que a informação fosse distribuída pelos equipamentos, não precisando estar concentrada única e exclusivamente na sala de controle central – permitindo que informações mais consolidadas sejam transmitidas para o controlador central e disponibilizada para outros instrumentos.

Mas chega a ser um exagero afirmar que o gerenciamento de ativos só é possível se tiver instrumentação inteligente. O compartilhamento da “inteligência” com o campo facilita o processo de gerenciamento, mas sua existência não é um pré-requisito para sua execução. Em muitas indústrias continua sendo realidade a inteligência e o processamento estarem na central de controle onde a informação segue um caminho de mão única, através de um sinal de 4 ~ 20mA. “Ou a inteligência está distribuída no campo através de instrumentação inteligente ou está concentrada na central de controle, o diferencial continua sendo a inteligência em si, a qual é viabilizada em última análise pelo software utilizado. O hardware inteligente pode facilitar consideravelmente esta tarefa, mas não consiste em uma condição necessária para sua execução”, explica Marcelo Farenzena, pesquisador do Grupo de Integração, Modelagem, Simulação, Controle e Otimização de Processos do Departamento de Engenharia Química da UFRGS.
Mesmo com informações baseadas em 4~20mA – e até mesmo pneumáticas – é possível acompanhar o desempenho de um equipamento pela simples monitoração de uma variável acessória como vibração ou temperatura. “Não existe, portanto uma ligação obrigatória entre inteligência distribuida e Gerenciamento de Ativos. O que está acontecendo é que, com os instrumentos inteligentes e com mais capacidade de memória nos dispositivos de campo, parte das tarefas tinha que ser feita de forma centralizada em computadores que concentravam todas as informações da planta agora é possível dividir o trabalho e o processassamento aliviando de um lado o processamento central e especializando o processamento local”, explica o gerente de automação da Braskem, Esdras Demoro.

“É bem claro que o gerenciamento de ativos fica muito facilitado com a utilização de instrumentação inteligente e barramentos de campo, pois estas tecnologias evitam que uma avalanche de dados não processados chegue a central de controle. Estas novas tecnologias permitem que informações mais consolidadas, processadas e pré-selecionadas sejam efetivamente disponibilizadas”, conta o professor Jorge Trierweiler, coordenador do Grupo de Integração, Modelagem, Simulação, Controle e Otimização de Processos.

Independente da tecnologia de hardware que se utilize, a indústria já percebeu os benefícios de se empregar um sistema de gerenciamento de ativos. “Embora a tecnologia de gerenciamento de ativos continue se desenvolvendo não se deve postergar a sua aplicação, uma vez que os benefícios econômicos e operacionais que hoje podem ser alcançados com sua aplicação já são expressivos. Adicionalmente, a adoção dessas técnicas irá permitir a capacitação da equipe nesta nova forma de operar e manter o processo – esse aprendizado é fundamental para a incorporação dos desenvolvimentos futuros que, em breve, estarão disponíveis no mercado”, explica o professor Jorge Trierweiler.

Qual o momento ideal para que as empresas passassem a utilizar as novas tecnologias? Herbert Teixeira, do Centro de Pesquisas da Petrobras responde: “o momento é este”. Esdras Demoro, da Braskem, é mais enfático: “Já devia ter acontecido”.

“A Braskem já nasceu com um programa de automação bem estruturado para implementar e capturar os benefícios destas novas tecnologias. É importante lembrar que o processo de transformação leva tempo principalmente em plantas existentes”, ressalta Esdras.

Os dois engenheiros participaram, no inicio do mês, de uma das mesas redondas do workshop Solving Industrial Control and Optimization Problems – Sicop, realizado em Gramado / RS. Uma das conclusões tiradas do workshop é que a tecnologia de sistemas para gerenciamento de ativos já está consolidada – e já dá resultados, embora alguns pontos ainda precisem ser aprimorados, principalmente no que diz respeito ao diagnóstico e a automatização das ações corretivas necessárias para solução dos problemas operacionais detectados. As ferramentas atuais se encontram bem desenvolvidas em termos de auditoria de desempenho de malhas de controle – a eletrônica e a informática são ferramentas que ajudam melhorando a qualidade da informação que é coletada automaticamente dos instrumentos e de suas operações. Mas ainda significativos desenvolvimentos se fazem necessários no que tange ao diagnóstico e as ações corretivas.

O diagnóstico completo e a definição das ações necessárias em sistemas complexos – como é o caso das plantas petroquímicas – ainda exige o julgamento de engenharia que só pode ser obtido de pessoas experientes e especializadas. “O Homem e o conhecimento não estão sendo inutilizados. Ao contrário. Com um volume maior de informações o julgamento especializado será cada vez mais importante. A produtividade, por outro lado, será muito maior. Ela vai permitir que poucos especialistas suportem um grande número de sistemas visto que as atividades com baixa agregação de valor, como coleta e compilação dos dados, agora pode ser melhor automatizado”, completa Esdras.

Informações permitem mudar a estratégia de manutenção da planta

O conceito de gerenciamento de ativos é um termo muito abrangente, que engloba desde o nível corporativo, como gestão do investimento e do ativo industrial, até técnicas para gerenciar um dispositivo – e mesmo o corpo de funcionários, o que pode gerar muita confusão para enfocar o assunto.

Engenheiros de processo e manutenção concordam que existe uma série de novas maneiras de enxergar os vários dispositivos que antes só informavam uma variável e, hoje, mostram muitas outras informações sobre a saúde desse dispositivo – além das variáveis relativas ao processo – que permitem mudar a estratégia de manutenção da planta, colocando-a dentro de outro arcabouço, do ciclo de vida dos materiais, focado em confiabilidade: fazer o investimento certo, do tamanho certo, onde é necessário, quando necessário. Investir nas coisas que são críticas para a empresa, a qualidade, a segurança e a produção.

O gerente de automação da Braskem, Esdras Demoro, resume bem as fortes mudanças: a manutenção deixou de ser uma área apenas de serviços. O maior valor está na continuidade e eficiência suportadas na confiabilidade dos ativos. “Mais importante do que arrumar, o desafio é estruturar ativos que têm alta disponibilidade e dão consistência, continuidade e eficiência à produção e passam confiança aos clientes. E essa visão exige engenharia de confiabilidade suportada por ferramentas poderosas de gestão de ativos muito mais eficientes que as até então disponíveis”.

A eficiência da manutenção, que antes era medida por “quanto tempo demorava em consertar algo”, agora tem o enfoque de “quanto menos quebrar, melhor”. E a engenharia de confiabilidade assume um papel mais forte porque é preciso construir plantas mais robustas e seguras que garantam maior disponibilidade, continuidade e qualidade; é preciso, desde o desenho, ter outra abordagem e, aí, se encaixam as técnicas de gestão de ativos. A automação contribui, fornecendo os processos e as ferramentas que geram as informações necessárias à engenharia de confiabilidade de forma eficiente e com baixo custo.

Segundo Esdras, o que está acontecendo é que a Tecnologia de Informação está se incorporando em todos os dispositivos de medição e controle na área industrial. Isto está gerando crescimento de até duas ordens de grandeza no volume de informação que se trafega entre o campo e a sala de controle. Hoje há condições técnicas de se saber muito mais sobre os dispositivos de medição e controle e, portanto, sobre o processo produtivo. O desafio agora é como usar essa informação, transformar esse volume de dados, primeiro em informação útil, e gerar, então, mecanismos de decisão para construir sistemas capazes de realimentar o processo e torná-lo cada vez mais eficiente e confiável. O conhecimento e a criativadade das pessoas e dos especializas serão novamente desafiados pela tecnologia.

Um dos efeitos da melhoria das tecnologias é o significativo aumento da confiabilidade dos instrumentos de medição. Existem hoje dispositivos que estão certificados para trabalhar por mais de uma década sem qualquer intervenção de manutenção ou calibração. Essa nova garantia de calibração é, na verdade, compatível com o tempo das unidades – que não param mais todo ano para manutenção como no passado e não fazem mais anualmente uma revisão e calibração dos instrumentos. “Isto está alinhado com as demandas da indústria que com o aumento da confiabilidade geral, estão alargando os ciclos de paradas gerais que, hoje, já chegam a mais de sete anos em grandes corporações. Neste novo cenário é possivel garantir aos clientes a continuidade do fornecimento de produtos e reduzir os riscos do negócio”, explica Esdras.

Inteligência no instrumento ou no sistema?

A Automação Industrial têm hoje duas ferramentas poderosas para ajudar as empresas a se tornarem mais competitivas: as técnicas de controle avançado e otimização em linha dos processos e as tecnologias de gerenciamento de ativos suportadas por instrumentação inteligente.

A tecnologia digital permite que um sistema colete informações dos mais diversos tipos e finalidades de uma planta, como ninguém jamais imaginou – e neste sentido, com tecnologias abertas, como o fieldbus, é possível transformar bytes em relacionamento lucrativo e obter também ganho qualitativo do sistema como um todo. Uma conseqüência direta do gerenciamento de ativos e de práticas que reduzem o downtime, aumentando a disponibilidade da planta e cortando custos de manutenção. Quanto mais informação sendo processada, melhor uma planta pode ser operada.

Com a informação sendo distribuída no campo, cada instrumento passa a ter uma CPU embutida, que pode armazenar valores históricos, fazer testes, mudar status de medição, e conter algoritmos de controle. “Em lugar de um canal de acesso 4~20mA, tenho a informação digital, seguindo via barramento de campo para a central de controle uma informação já consolidada. E é uma informação que vai e volta, então posso configurar sistemas sem ter que ir até a planta – isso é extremamente importante quando o instrumento está localizado numa região de difícil acesso”, explica Trierweiler.

Há até pouco tempo, o desafio era adquirir dados. Hoje o gargalo é o processamento dessa informação – e o próximo estágio é a conversão de informação em conhecimento. “Como tirar conhecimento dessa avalanche de informações? É aí que entram os sistemas de gerenciamento de ativos em seu sentido mais amplo. No estágio atual, informação não é mais problema – atualmente as novas tecnologias disponibilizam a informação. Agora temos que transformar essa informação em conhecimento”.

O professor argumenta, no entanto, que o gerenciamento de ativos não se restringe apenas a monitorar válvulas e instrumentos – esse conceito deve ainda incluir auditoria de malhas de controle, diagnosticar problemas na planta, gerenciar alarmes, detectar vibração de equipamentos, como bombas, e otimizar o processo em tempo real. “Quando as pessoas se referem a gerenciamento de ativos, pensam essencialmente em válvulas e medidores – além desses instrumentos, incluo o ajuste do controlador, e o gerenciamento do ativo da malha como um todo (medidor + válvula + controlador)”.

“Do que adianta ter uma válvula ótima se tiver um controlador ruim? É necessário investir também na parte de software, para poder melhorar a qualidade do produto, usar mais racionalmente a energia e maximizar a produção”, completa Marcelo Farenzena.

Quando o ativo é uma válvula inteligente, o gerenciamento torna-se trivial: é só plotar a variável de processo e a variável manipulada – PV versus OP – que o operador terá o acompanhamento da operação e do histórico do equipamento. Mas isso não significa que, sem uma válvula inteligente, não é possível fazer o gerenciamento. “Só que serão necessárias técnicas muito mais avançadas de tratamento de dados”, avalia o professor Trierweiler.

Não sendo utilizadas as válvulas inteligentes, deve-se optar por técnicas de detecção de agarramento de válvulas mais sofisticados, tais como a utilização de métodos estatísticos de elevada ordem para quantificar a não-linearidade. “Estes métodos assumem que a planta opera em torno de um ponto de operação – e tem um comportamento aproximadamente linear – caso haja uma não-linearidade elevada, essa não-linearidade é devida a um mau funcionamento da válvula. Só que isso não é uma coisa trivial de fazer: envolve um ferramental matemático mais sofisticado”.

Traduzindo: a indústria que tiver uma instrumentação inteligente, não precisa ser tão inteligente. Isso, no entanto, não significa dizer que a empresa tem que trocar todas as válvulas. “À medida que a diferença de preço vai caindo, a empresa optará por uma válvula inteligente. Agora não seria inteligente trocar todas as válvulas, porque existem outras formas de se fazer a mesma coisa – só que com uma maior complexidade no programa de acompanhamento desses dados”.

A idéia principal é trazer a inteligência para perto do instrumento – que por sua vez levará a informação consolidada. A vantagem de uma válvula inteligente em relação a uma válvula convencional é a sua capacidade de verificar se houve realmente a localização da abertura naquela posição – ela tem um posicionador que é mais efetivo. Isso leva a um ajuste mais fino no controle da vazão da corrente. Outra vantagem é que essa válvula já pode fazer um acompanhamento da utilização – checar se a válvula está agarrando, ou se está ocorrendo histerese. “Registrando o histórico da válvula, é possível registrar facilmente o desgaste. Se não tenho uma válvula inteligente, tenho que fazer esse acompanhamento num banco de dados na central de controle, o que torna o procedimento mais difícil de ser implementado”.

“Para os elementos inteligentes é possível calibração automática remota, com o mínimo de intervenção humana, os softwares já fazem todos os testes e ajustes necessários. Já os não inteligentes, ainda requerem aplicação de sinais de referência de 0 a 100%, e ajustes manuais de ZERO e SPAN. Quanto aos diagnósticos, todas as informações disponíveis nos dispositivos de campo, associadas a softwares específicos, oferecem a oportunidade se obter melhor vantagens do ponto de vista de manutenção, engenharia e a utilização mais ampla de cada dispositivo, estes softwares, entram nos conceitos de gerenciamento de ativos”, compara o coordenador de Automação/Elétrica da Cenibra, Ronaldo Ribeiro. Além do valor medido – que já iria para a central de controle no tradicional 4~20mA – também seguem informações sobre status e qualidade da medição, e informações relativas a possíveis falhas. E descem em direção ao instrumento a configuração do sistema, recalibração do sistema ou ressetagem de contagem de ciclos.
Ronaldo Ribeiro explica que, durante muitos anos, os Elementos Finais de Controle (particularmente as válvulas) funcionaram com sinais de controle pneumáticos. Com a evolução da eletrônica, passaram a receber sinais de comando de 4 ~ 20 mA e evoluindo um pouco mais sinais digitais. “A partir deste momento tornou-se possível obter vários outros benefícios até então impossíveis na era do pneumático e do 4 ~ 20 mA analógico. Estes benefícios propiciaram melhor gerenciamento destes ativos com uma grande variedade de vantagens, como: redução nos sustos de montagens, facilidades nos comissionamentos, melhorias nas manutenções preventivas e preditivas, e finalmente o funcionamento do equipamento, retirando deste o máximo que ele possa oferecer”. “Quando falamos em automação destes elementos (componentes), simplesmente estamos atribuindo a eles maiores responsabilidade ainda das atividades nas quais já desempenham, e isto, é a evolução, é a busca da perfeição, é torná-los cada vez mais importantes para os processos, tirando deles o máximo de rendimento possível”, ressalta o coordenador da Cenibra. Há casos, no entanto, em que ainda é mais vantajoso utilizar o 4~20mA – como em processos muito rápidos, em que o tempo de amostragem é pequeno. Há ainda a questão de preços maiores para a ditigalização dos instrumentos. “O critério para definir qual tipo de automação utilizar sempre estará relacionado com a rentabilidade do processo – qual o impacto que uma diminuição de variabilidade do processo irá ter na qualidade do produto final e na lucratividade da planta”, avalia o professor.

Ainda para Ronaldo Ribeiro, a tendência é cada vez mais os dispositivos de campo estarem interligados via redes de campo. “À medida que a tecnologia evolui, mais e mais informações que antes não tinham valor agregado ao produto, passam a ser requisitadas para melhor gerenciamento destes dispositivos. Não dá para precisar qual padrão de rede industrial terá maior evolução, mas observa uma forte tendência em sistemas utilizando o padrão Ethernet, mas ainda com poucas aplicações industriais. Os demais padrões, precisarão evoluir, principalmente no que diz respeito a velocidade de comunicação e interoperabilidade”.

 


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