Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 259 – 2020



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Oano de 2020 está sendo apontado, por analistas e estudiosos, como um marco na digitalização das indústrias, em resposta aos problemas e às dificuldades geradas pela pandemia do novo coronavírus. De forma semelhante, especialistas em automação industrial garantem que o protocolo OPC UA (Open Platform Communications – Unified Architecture) tornase cada dia mais essencial, quando o assunto é digitalização industrial e Indústria 4.0, por favorecer a integração do chão-de-fábrica e dos ambientes corporativos.
 
Peter Lutz, diretor de Field Level Communications, da OPC Foundation, conta que o OPC UA foi introduzido em 2008, e é uma tecnologia de comunicação industrial bem estabelecida para interoperabilidade entre fornecedores e aplicativos de software, com base em uma estrutura industrial comum (IEC62541). A estrutura do OPC UA consiste em um protocolo de camada superior, recursos de modelagem de informações e mecanismos de segurança integrados. Ele é usado hoje em uma ampla variedade de casos em Automação de Fábrica e Processos. O OPC UA está sendo combinado com tecnologias e padrões complementares, para cumprir a promessa de uma solução de comunicação unificada e baseada em padrões. Exemplos de tais tecnologias complementares são, por exemplo, Ethernet, Ethernet APL e Ethernet TSN (IEEE 802.3 e IEEE 802.1), bem como protocolos de camada superior, como UDP / IP, TCP / IP ou MQTT. No futuro, o OPC UA se estenderá ao nível de campo, para que uma Digitalização e OPC UA: Controle & Instrumentação Nº 259 | 2020 35 solução de comunicação IIoT consistente e unificada seja disponibilizada, fornecendo conectividade e interconectividade, ponta a ponta, do campo à nuvem, e vice-versa, cobrindo todos os requisitos para automação industrial, como em tempo real, segurança funcional, e controle de movimento.
 

Como afirma Marcio Santos – Technical Consultant da Siemens Infraestrutura e Indústria, e diretor Técnico da tecnologia Profinet, pela Associação Profibus & Profinet Brasil – o OPC UA será “um grande divisor de águas ao pavimentar o caminho que integrará as comunicações industriais convergentes, envolvendo o chão-de-fábrica e os ambientes corporativos, sejam eles on premise (local), ou na nuvem”.

 
Quase todos os controladores de todos os fabricantes de automação fornecem conectividade OPC UA para a diversidade de aplicativos de TI e OT (como sistemas SCADA, HMI, MES / ERP), e até mesmo sistemas de ponta, ou em nuvem. No entanto, os dispositivos de campo, normalmente, são conectados por meio de vários barramentos de campo e, portanto, ainda não fornecem conectividade OPC UA de forma direta. Logo, os gateways e/ou controladores são normalmente usados para integrar ou agregar dados, e disponibilizar esses dados no OPC UA.
 

Ao definir esse protocolo como “um catalisador do caminho da quarta revolução industrial”, Cesar Cassiolato – presidente e CEO da Vivace Process Instruments – comenta que o OPC UA constitui a solução mais atual que usualmente vem sendo implementada nas indústrias, com o intuito de garantira conexão entre os diversos dispositivos do chão-de-fábrica. Nesse universo, conceitos como comunicação independente de plataforma e fornecedor, segurança de dados, padronização e inteligência descentralizadas são temas correlatos.

 

Para outros, como Pedro Vieira – gerente Setorial de Gestão de Dados de Engenharia na Petrobras –, a importância do OPC UA vincula-se ao fato de ser um protocolo aberto, independente do OLE (Object Linking and Embedding), que unifica os demais protocolos e, desde a última versão, lançada e m 2017, conversa com todos os sistemas supervisórios da camada 7, do modelo ISO/OSI, sejam baseados em Windows ou Unix.
Quanto mais os protocolos forem abertos, padronizados, robustos, compatíveis, menos tradutores (gateways) serão necessários, “tornando a comunicação mais rápida, confiável e disponível, além de independente de fornecedores, o que, para o owner, é um valor cada vez mais basilar, preconiza Vieira, ao lembrar que o OPC UA, lançado em 2008, é um protocolo maduro, e já adotado largamente, evolução do OPC, criado em 1994, ainda como “OLE for Process Control”, dependente do DCOM, uma plataforma base Windows.

 
Relacionamento com outros protocolos

“Os dispositivos de campo são conectados ao OPC UA, através de controladores ou gateways específicos, que atuam como um conversor entre os protocolos e a estrutura OPC UA. A vantagem de uma comunicação direta a um dispositivo de campo, via OPC UA, é que não há necessidade de nenhuma conversão da informação (semântica) e/ou do protocolo. Além disso, a maioria dos controladores, atualmente, fornece apenas acesso limitado às informações que se originam dos dispositivos conectados ao controlador, também por causa das limitações de desempenho. A conectividade direta fornece acesso total às informações, com um padrão consistente de comunicação industrial, e um padrão comum de modelagem de informações. O uso do OPC UA como um padrão comum e consistente oferece mais flexibilidade de conectividade e, ao mesmo tempo, acesso seguro” diz Peter Lutz.

A visão da Fundação é fornecer uma solução de comunicação IIoT consistente e padronizada, para que dispositivos de diferentes fornecedores sejam capazes de se comunicar, desde o nível do campo, até o nível do controlador, e até mesmo na nuvem. Porque OPC UA (IEC 62541) e Ethernet resp., Ethernet APL, e Ethernet TSN (IEEE 802.3 e 802.1) são padrões internacionais, independentes do fornecedor, os usuários não terão mais de lidar com protocolos incompatíveis, ou sistemas proprietários. A adoção do OPC UA sobre o padrão TSN permitirá que eles se beneficiem de vários fornecedores, comunicações ponto-a-ponto, e controle entre sensores, dispositivos de controle, PLCs e sistemas de controle distribuído, sem a necessidade de desenvolvimento de software caro e demorado, ou gateways complicados e pontes.

Reforçando que o OPC-UA é um formato de mensagem simples, um protocolo chamado de camada de aplicação, porque se situa na camada de abstração 7, a mais alta do modelo ISO/OSI, Vieira afirma que, na prática, isso significa que ele identifica como a informação é formatada, e pode funcionar sobre qualquer outro protocolo de nível mais baixo. “A interface entre camadas é a mesma padronizada pelo então RM-OSI, desde 1983: feita por PDUs e SDUs, através de pontos de acesso bem definidos”, resume Vieira, ou seja: “OPC UA roda sobre qualquer protocolo de camada inferior, como TCP/IP, por exemplo (camadas 4 e 3), que, por sua vez, pode rodar sobre Ethernet (camadas 2 e 1)”.

Nas palavras de Cassiolato, isso significa que a adoção deste padrão aberto é oportunidade que gera valor para fornecedores e usuários, pois, em um universo em que “a agregação de informação sobre muitas camadas é crítica, e de fundamental importância, o protocolo de comunicação fornece a semântica de interoperabilidade para o mundo inteligente de sistemas conectados, oferecendo uma solução completa para todas as necessidades de todas as camadas verticais de acesso em dispositivos remotos”.
 
 
Quando se trata desse ecossistema com diferentes fornecedores, os especialistas lembram a variedade de protocolos que transitam com o OPC UA, e as diversas formas de realizar a conversão e a tradução, deduzindo pela possibilidade de colocar em risco a transparência, a convergência e a interoperabilidade. Nesse sentido – ressalta Santos – “cabe às associações industriais tecnológicas, prover guidelines e/ou perfis de integração das suas respectivas tecnologias com o OPC UA, de forma que essa integração seja padronizada, comum e independente dos fornecedores. É justamente isso o que a Associação Profibus & Profinet International (PI) está fazendo, desde 2015, no que tange a integração dos protocolos Profinet e IO Link, com o OPC UA”.
 

Extrapolando para o envio de informações para a nuvem (cloud), há possibilidade de uso do OPC UA pelos instrumentos e máquinas. No entanto, existem outras opções. Marcos Giorjiani, diretor da Beckhoff no Brasil, por exemplo, lembra do MQTT protocolo consoli- dado, criado em 1990, que também “pode fazer isso de forma eficiente”. Como o armazenamento local ou em nuvem independe de protocolos de troca de dados em nível de aplicação, no entendimento de Vieira, esses “são assuntos independentes. A maior parte das plantas industriais modernas, hoje, usa OPC UA, e não trabalha com armazenamento em nuvem, por exemplo”.

 
 
Ao lembrar que OPC UA e MQTT são protocolos desenvolvidos em épocas diferentes, e com finalidades de uso diversas, com vantagens peculiares, dependendo dos cenários de aplicação, Santos entende o assunto como “uma questão estratégica de cada empresa, seja ela fornecedora de equipamentos e máquinas ou clientes finais” e informa que “o desenvolvimento assíncrono do OPC UA e do MQTT não inviabiliza que eles possam convergir e possibilitar novos cenários de uso decorrente dessa convergência. É o que está acontecendo, nesse momento, com o desenvolvimento do perfil OPC UA Pub/Sub (publish subscribe), o qual possibilitará o uso do MQTT como meio de transporte das informações OPC UA, tornando o OPC UA Pub/Sub mais próximo de cenários de integração com a nuvem”.

Convivência pacífica

Ressalte-se aí a convivência entre diversos protocolos, a coexistência de tecnologias diferentes num mesmo ecossistema, compartilhando cenários de uso comum entre si, mas com demandas específicas, extraindo de cada um o que ele tem de melhor em sua especialidade.

A necessidade principal envolve a diferenciação dos protocolos, para fins de controle e tempo real no chãode- fábrica, assim como os protocolos desenvolvidos para fins de integração com o ambiente coorporativo e a nuvem. Nesse sentido, Santos cita a assinatura de contrato de cooperação mútua entre a OPC Foundation e Associação PI, tornando possível a diferenciação dos protocolos OPC UA, Profinet e IO Link, assim como sua integração e coexistência.

“A adoção de tecnologias de comunicação maduras e comprovadas, em conjunto com outras tecnologias, possibilitará atingir elevados graus de digitalização, em suas diferentes vertentes”,
frisa Marcio Santos.

Esse conceito também é extrapolado para aplicações baseadas em sinais analógicos, como 4-20mA, que têm custo inferior de implementação, quando comparado ao OPC UA. Contudo, a progressiva redução de custos dos processadores com portas Padrão Ethernet, e múltiplos protocolos de comunicação embarcadas, tendem a facilitar a implementação de comunicações digitais em equipamentos de campo (Camada 1, física, do modelo ISSO/OSI), que outrora baseavam-se em sinais 4-20mA.

O fundamental, nesse cenário, na visão de Giorjiani, é que um protocolo Field Bus precisa ser “extremamente rápido, para poder amostrar as variáveis controladas em tempo real, e o OPC UA não tem essa característica”. A utilização do padrão EtherCAT é recomendada pelo diretor da Beckhoff, pois, “garante uma configuração com um protocolo de controle extremamente rápido, flexível e eficiente para dispositivos de campo, inclusive dispositivos com padrão 4-20mA. E a troca de dados entre controladores, e entre controladores e o nível corporativo, pode ser feita via OPC UA”.

Pontos de atenção

Pedro Vieira alerta para a necessidade de o protocolo de comunicação – qualquer que seja ele – ser mantido em seu devido lugar, que é o de bastidor, não de protagonista, uma vez que “acabou a época em que duas soluções tecnológicas se diferenciavam pelos seus protocolos.
 
 
Hoje, precisam se diferenciar por sua funcionalidade, seu serviço, sua capacidade de habilitar outras tecnologias, como a Ciência de Dados. A regra comum, se é que há alguma entre esses conceitos, é a de padrões abertos, interoperáveis, confiáveis e compatíveis”.

A segurança nas redes industriais é tema lembrado por Cassiolato: “Qualquer tipo de sabotagem, em operações automatizadas, gera transtornos e prejuízos incalculáveis. A análise de riscos, estratégias de prevenção contra softwares invasores, armas cibernéticas, a gestão de continuidade de negócios, no caso de incidentes no ambiente de redes industriais, assim como a implementação de um ambiente de monitoramento contínuo em uma rede de automação, são obrigatórias para manter um sistema seguro, confiável e disponível”.

A migração para o ambiente Industrial de tecnologias de automação consolidadas, simples, eficientes, e com ótima relação custo-benefício vem sendo constatada, tais como IoT, Big Data, etc. “Assim, normas e regras estão cada vez menos complicadas”, constata Giorjiani, como ponto positivo, “pois, do contrário, não servirão para atender uma necessidade de implementação rápida e segura”.

Outro tópico a ser levado em consideração relaciona- se à necessidade de as tecnologias em si serem facilitadores, dentro de um projeto de digitalização, proporcionando redução de custos operacionais, flexibilização e aumento da produção. Com isso em mente, é de se esperar que, não apenas uma única tecnologia seja capaz de prover todos esses ganhos, mas, na realidade, um conjunto de tecnologias operando de forma convergente, isso é, ao mesmo tempo e de forma complementar, uma às outras, num ecossistema digital.

Peter Lutz ressalta que a intenção da OPC Foundation e da iniciativa FLC não é desenvolver “mais um protocolo”. A abordagem é estender o OPC UA com recursos necessários para comunicações em nível de campo, e combinar esta solução com tecnologias como Single- Pair Ethernet (SPE) e Advanced Physical Layer (APL), para cobrir os vários requisitos em aplicações de Automação de Fábrica e Processos. Essa abordagem contribui para a convergência do cenário heterogêneo de hoje com as várias soluções de fieldbus e Ethernet em tempo real. “Ao estender o OPC UA para incluir os requisitos de aplicativos em FA e PA, o OPC UA se torna uma alternativa atraente aos barramentos de campo tradicionais, especialmente porque fornece uma solução de comunicação completa e abrangente (transporte mais modelagem de informações mais semântica comum), do sensor à nuvem, e vice versa. E inclui recursos como determinismo, segurança funcional, etc., que permitirão substituir os barramentos de campo atuais nos médio e longo prazos”.

Um ponto que pode criar um pouco de conflito é se o OPC UA vai ser um substituto das redes de campo. Em alguns momentos, isso fica um pouco em evidência – e o Peter Lutz vai mais nessa linha – e, em outros momentos, é sutil. “Eu acho que é muito cedo colocar isso como uma possibilidade técnica real, pois, algumas tecnologias precisariam se estabelecer primeiro, antes disso acontecer (estou falando do Ethernet APL e do Ethernet TSN). Somente após isso acontecer, é que existirá um caminho técnico que permitirá o OPC UA jogar o jogo pesado no chão-de-fábrica (real time, determinismo, funções de controle e por aí vai). O OPC UA descer para o nível de controle, e estar apto a desempenhar o papel dos FieldBuses atuais, é um cenário possível, mas isso ainda demandará um tempo relativamente grande, tanto no aspecto técnico, quanto no estratégico. Particularmente, acredito que devemos fomentar o OPC UA no que ele pode contribuir de melhor para a digitalização, que é a integração e a convergência horizontal/vertical entre sistemas. Pensar em OPC UA real time é algo tão longe da minha realidade, que não consigo enxergar se, quando e como isso vai acontecer”, comenta Marcio Santos.

O diretor da OPC lembra, ainda, que a digitalização e os novos serviços digitais exigem a integração de tecnologias de TI com produtos, sistemas, soluções e serviços OT em suas cadeias de valor completas, que vão, desde o design e produção, até a manutenção. Protocolos são soluções para o campo e, portanto, são usados para conectar dispositivos de campo aos controladores (Controle Lógico Programável, Controle de Movimento rol) ou sistemas de controle distribuído (DCS). É por isso que, em um mundo digital integrado, uma conectividade direta e padronizada entre dispositivos e aplicativos do campo à nuvem, e viceversa, é essencial. Para trocar informações relacionadas à produção e ao processo, dentro e fora de uma fábrica, com uma única solução de comunicação IIoT. E o OPC UA está fornecendo uma estrutura industrial (como uma coleção de “blocos de solução”), que pode ser usada de forma flexível, e aplicada a diversas áreas em TI e TO, em Automação de Fábrica e de Processos.

Os mecanismos de modelagem e troca de informações seguem regras e práticas comuns (por exemplo, segurança, serviços de comunicação, qualidade de serviço). No entanto, para suportar a ampla gama de requisitos em TI e TO, são necessários recursos e conjuntos de recursos específicos, por exemplo, segurança funcional para comunicações, em nível de campo, ou big data, para conectividade em nuvem. A vantagem da estrutura industrial OPC UA é que os conceitos podem ser facilmente reutilizados, e as adaptações a novos requisitos ou novas tendências e tecnologias são facilmente possíveis. Isso fornece um alto nível de padronização, em combinação com um alto nível de flexibilidade.

“O 5G está facilitando a conectividade sem fio, em combinação com alta largura de banda e baixa latência e, portanto, é altamente interessante e atraente, como tecnologia de comunicação industrial, para o chão-de-fábrica. Como a padronização do 5G é um processo aberto e direcionado a contribuições entre empresas de telecomunicações de todo o mundo, garantindo, um padrão aberto, interoperável e internacional pode ser esperado”, finaliza Peter Lutz.
 
Conversando sobre Ethernet
A Controle & Instrumentação perguntou a mestre Marcos Peluso, distinguished technologist que acabou de se aposentar, qual o impacto do Ethernet nos outros protocolos... Ele respondeu... senta, que lá vem história!

“A transformação digital atingiu praticamente todos os ramos da atividade humana, trazendo enormes benefícios. A tecnologia disponível hoje é poderosíssima, e permite um aumento considerável no rendimento e segurança das plantas industriais, e na segurança e saúde das pessoas e meio ambiente. Enquanto, em nossas vidas pessoais e em alguns setores da indústria, é relativamente fácil acompanhar as revoluções e evoluções tecnológicas, na indústria de processo, fica muito difícil mudar tudo, da noite para o dia. Mas, a transição pode ser feita com muito sucesso, se planejada e implementada bem. Temos de lembrar que, por muito tempo, ainda teremos de conviver com a base instalada e, para isto, teremos de estar preparados para que esta base possa trazer todos os benefícios de que a transformação digital potencializa. Por isso, é importante compreender um pouco da história por trás do que está disponível hoje, para facilitar sua integração e evitar percalços do passado. Aqui vai um pouquinho de história. Se governantes estudassem história, a vida seria melhor...

A instrumentação digital começou a ser utilizada há quase 40 anos. Inicialmente, só o processamento de sinais no interior dos instrumentos de campo era digital, enquanto a comunicação com sistemas de controle continuava analógica (0-20 mA, 4-20 mA, 10-50 mA, etc). Isto porque os sistemas de controle ainda eram analógicos. Com o surgimento de sistemas de controle digitais, alguns fornecedores acordaram para o fato de que não fazia sentido converter o sinal digital do instrumento para analógico, e depois reconvertê-lo, de analógico para digital, no sistema. E que o sinal digital poderia oferecer muito mais do que somente informar o valor da variável primária. Ele poderia, por exemplo, conter dados sobre a saúde da variável e do instrumento, fornecer informações sobre variáveis auxiliares, dados estatísticos sobre as variáveis de processo, etc. E, com isso, surgiram vários protocolos de comunicação proprietários, que permitiam comunicação puramente digital, entre o sistema digital de controle e os instrumentos digitais de campo. Em alguns casos, a comunicação era de ponto a ponto e, em outros, os instrumentos eram ligados em barramento, o que permitia a redução na quantidade de cabos.

Ainda que tecnicamente interessante, estas soluções apresentavam um problema sério, pois, para auferir os benefícios da tecnologia, o usuário era obrigado a adquirir sistema e instrumentos de campo do mesmo fornecedor. Era um casamento sem divórcio.

Como os sinais analógicos em 4-20mA e 0-20 mA ainda eram, e continuam sendo, amplamente utilizados na indústria, surgiu a ideia de desenvolver uma comunicação híbrida, onde o sinal digital compartilhava o mesmo par de fios com o sinal analógico. Desta forma, a variável primária do instrumento poderia ser enviada pelo sinal analógico convencional, porém, também poderia ser enviada de forma digital. Com a vantagem adicional de que outras variáveis do instrumento, seus parâmetros de configuração, diagnósticos e alertas poderiam também ser acessados digitalmente. Este é o protocolo HART, que é amplamente utilizado na indústria. Mas, devo dizer que, na maior parte das aplicações, as variáveis e dados digitais são drasticamente subutilizados. Vou explicar o porquê disso, mais adiante.

Interessados nas vantagens que a estandardização de uma comunicação puramente digital e em rede poderia trazer para o mercado, usuários e fornecedores (“motivados” pelos primeiros) participaram no desenvolvimento de um conjunto de normas com esta finalidade. A indústria de petróleo foi uma grande incentivadora, pois, estava e está muito interessada em reduzir, ou mesmo eliminar, o número de cabos e respectiva infraestrutura nas plataformas. Mas, outra grande motivação vem do fato que a instrumentação digital oferece uma visão muito mais detalhada sobre a operação e saúde das plantas, permitindo monitoração, controle, e mesmo manutenção remotas, viabilizando a redução de pessoal presente nas plantas. Isso é particularmente importante nas plataformas de óleo e gás.

Bem, a norma e os produtos vieram, mas, como não poderia deixar de ser, infelizmente, não houve consenso, e acabamos com várias normas (Fieldbus, Profibus, DeviceNet, etc), criando um bocado de confusão na cabeça dos usuários. E também criaram problemas para os próprios fabricantes, que tiveram de desenvolver e suportar produtos com os diversos protocolos.

Apesar da existência dos diversos protocolos de comunicação digital, e a despeito da orientação dada pela direção das grandes empresas usuárias, para que eles fossem utilizados, uma boa parte da indústria continuou a utilizar comunicação analógica. E muitos dos que usaram comunicação digital a instalaram, comissionaram e a utilizaram como no passado, desperdiçando tempo e dinheiro, e a oportunidade de uma operação e manutenção mais eficiente. E boa parte dos sistemas de segurança somente podem utilizar o sinal analógico. Alguns permitem um acesso “policiado” e restrito, via HART. Como praticamente todos os instrumentos de campo analógicos suportam HART, muita gente diz que usa HART, mas na realidade só o sinal analógico é utilizado. HART acaba sendo usado somente para eventuais mudanças de configuração, ou manutenção reativa. Muitos não se deram ao trabalho de incorporar a informação digital às estratégias de controle, segurança e manutenção da planta. Outros desistiram da tarefa, quando se assustaram com o número de alarmes recebidos por falta de uma configuração adequada. E outros ainda desanimaram, diante do desafio imposto pela falta de consistência na terminologia utilizada pela indústria. Uma mesma função acaba recebendo nomes diferentes, por fornecedores diferentes, e até mesmo por um mesmo fornecedor. Parte da razão por trás disto é que as normas foram escritas no tempo em que a tecnologia limitava o número de caracteres, obrigando o uso de acrônimos e abreviações, o que dificultava a interpretação. E, pior ainda, quando apresentados para pessoas que não são familiarizadas com a língua inglesa. E a lentidão na comunicação, quando comparada com o que estamos acostumados hoje, era tolerada.

Com o avanço da eletrônica, a capacidade de processamento e armazenamento dos instrumentos e sistemas aumentou, e alguns fornecedores tomaram a liberdade de batizar parâmetros com nomes mais compreensíveis, o que seria bom, não fosse o fato de que não havia consistência entre diferentes fornecedores, e até mesmo entre revisões diferentes de produtos de um mesmo fornecedor.

Isso pode não ser um grande problema quando se trabalha diretamente com um instrumento, mas é um pesadelo para a automatização e consistência de comissionamento, operação, manutenção e gerenciamento de ativos. Felizmente, organizações como o FieldComm Group, Probibus Organization, OPC UA e OVDA resolveram reformar a terminologia, e realmente policiar consistência. E, para estender os benefícios à base instalada, criar um software que permitirá a “tradução” dos nomes incompreensíveis para os nomes inteligíveis, e realmente normatizados. Isso será de fundamental importância para permitir que a base instalada seja parte ativa, nesta quarta revolução industrial.

Mas, é claro que novos projetos terão à disposição tecnologias de última geração. Como quase tudo que nos cerca hoje é muito prático, fácil, confiável e rápido, há uma expectativa de que os instrumentos de campo possam se comportar da mesma forma. Minha neta de cinco anos queria ampliar a imagem da televisão com os dedos. É esperada a velocidade e capacidade de transmissão de dados proporcionado pela comunicação via Ethernet através de fios, fibra ótica ou por rádio. E que os instrumentos sejam realmente “Plug-and-Play”, e não “Plug-and-Pray”.

A indústria, no passado, até que tentou fazer isso. Uma empresa chegou a desenvolver um transmissor com fibra ótica. O sinal e a alimentação eram transmitidos por fibra, era como se o instrumento tivesse um pequeno painel solar dentro dele, que convertia a energia da luz em energia elétrica, para alimentar o circuito eletrônico. Funcionava bem, mas tinha um problema, que fez com que a ideia fosse arquivada: se a fibra rompesse, ou fosse desligada sem o devido cuidado, a energia da luz era tal que podia causar uma explosão em áreas classificadas. Um dos primeiros instrumentos em Fieldbus era um transmissor multivariável com fibra ótica, mas alimentado por fios. Depois disso, chegou a ser feito um transmissor com Ethernet. Ele precisava de um cabo para alimentação, e outro para o sinal, transmitido através da Ethernet. O transmissor era bom no inverno, pois, servia de aquecedor. A tecnologia disponível naquela época dificultava a implementação de transmissores para área classificada, devido ao consumo de energia. E não era justificável economicamente, pois, o ganho em velocidade não justificava o custo dos cabos e instalação. Outro projeto engavetado. E como a indústria utilizava – e utiliza até hoje – o 4-20 mA para controle, e eventualmente o Hart para configuração e diagnóstico, o ganho em velocidade não era tão atrativo. Ouvi o mesmo argumento muitas vezes, em relação ao Fieldbus e Profibus. Mesmo com todas as vantagens do Fieldbus e Profibus, boa parte da indústria preferiu ficar com o 4-20 mA, porque as novas tecnologias iriam mudar suas práticas de instalação, integração com o sistema de controle, etc.

Isso explica um pouco porque as coisas são como são. Os instrumentos de campo hoje oferecem muito mais do que ofereciam há bem pouco tempo, mas bem poucos oferecem comunicação via Ethernet. Estes, normalmente, requerem cabos para alimentação e para sinal.

Mas o uso de Ethernet, para acessar os instrumentos de campo, aumentou muito. Os instrumentos de campo em HART, Fieldbus, Profibus, ControlNet, e até analógico ou discreto, podem ser ligados a gateways no campo, e de lá aos sistemas de controle, via Ethernet redundante, através de fios, fibra ótica ou Wi-Fi.

Os segmentos em Fieldbus ou Profibus podem ser conectados a um linking device ou um acoplador, que transfere os sinais provenientes de dois ou mais segmentos de campo para um barramento de maior velocidade, e este barramento é então conectado ao sistema de controle, gerenciamento de dados, etc. O Fieldbus faz isso através do HSE (High Speed Ethernet) onde, como o nome diz, as camadas superiores do protocolo de comunicação são Fieldbus, e as camadas inferiores, Ethernet. Profibus faz isso através de Profibus DP de maior velocidade ou Profinet, que é totalmente compatível com Profibus DP, nas camadas superiores, e usa Ethernet nas inferiores. Da mesma forma existe o Hart IP, que consiste em enviar múltiplas mensagens Hart, através de uma mensagem Ethernet. Pode-se usar um mutliplexer, para capturar as mensagens Hart de múltiplos instrumentos, e enviá-las para o sistema de controle e/ou de gerenciamento de ativos.

Outros protocolos, como DeviceNet e ControlNet, usam CIP (Common Industrial Protocol), e a diferença básica entre as duas é o meio físico. E basicamente o mesmo protocolo é usado, tendo Ethernet como meio físico – no que recebeu o nome de Ethernet IP. Ou seja, a indústria já vem usando, há bastante tempo, a Ethernet, para transmitir informação proveniente de redes com menor taxa de transferência de dados, ou mesmo informação proveniente de múltiplos instrumentos analógicos ou discretos. Na manufatura, ou mesmo nos parques da Disney, você pode ver umas caixinhas rebecendo dados de medidores, chaves de nível, detectores de movimento, chaves limite, etc., e enviando tudo isso, via uma rede de alta velocidade, para o sistema de controle e segurança das atrações.

Mas, então, por que não ligavam os instrumentos diretamente numa rede de alta velocidade ou, melhor ainda, a uma rede Ethernet, como fazemos em casa ou no escritório?

Existiam várias limitações. A principal delas vinha do fato de que você teria de substituir os dois fios, que a maioria dos instrumentos usam, por quatro ou mais fios. A instalação acabava custando mais, e requeria cuidados especiais para instalação em áreas industriais, onde o ambiente é muito agressivo. O segundo ponto era o comprimento do cabo. Quanto maior a frequência de comunicação, mais curto deve ser o cabo. A Ethernet que usamos em casa ou no escritório, de 10 Mbps ou 100 Mbps (Megabits per second), o cabo mais comumente usado não deve ultrapassar 100 m. Este limite na indústria de processo é problemático. Na indústria de manufatura, isto não chega a ser um problema, pois, as distâncias entre componentes são bem mais curtas.

É claro que se podem utilizar repetidores, ou usar um acoplador, que transfere os dados para fibra ótica, que pode atingir distâncias muito longas. E o raio mínimo permitido para a curvatura do cabo é bem maior do que os cabos usados para HART ou fieldbuses. Tudo isso tornaria o projeto e a instalação mais complexa.

A outra limitação é que, na indústria de processo, muitos instrumentos são instalados em áreas classificadas, onde é preciso limitar o uso de energia, e também a sua capacidade de armazenar essa energia. Com o aumento da taxa de comunicação e demanda de processamento, o consumo de energia sobe, e o projeto e aprovação dos instrumentos com segurança intrínseca se tornava mais complicado.

Muito bem, um consórcio, formado pelo FieldComm Group, Profibus-Profinet, ODVA (DeviceNet, Control- Net, Ethernet IP) e outras entidades, está em fase final de desenvolvimento e testes de normas, para o uso de Ethernet em instrumentos de campo.
 
Vale lembrar que estas instituições são formadas por fornecedores e usuários, com larga experiencia na indústria de controle de processo. O dia-a-dia deles é trabalhar com a base instalada, e buscar soluções para a indústria do futuro. E que esta indústria utiliza dezenas ou centenas de milhares de instrumentos de diversos tipos e espalhados em grandes áreas.

Esta tecnologia é chamada de Advanced Physical Layer – APL. A ideia básica é permitir, como acontece com Hart, Fieldbus, e Profibus PA, que a comunicação e alimentação elétrica dos instrumentos seja feita por dois fios, e usando um protocolo à base de Ethernet. Como, em Ethernet, o endereçamento de cada mensagem usa uma quantidade enorme de bytes, se comparado com o tamanho de uma mensagem típica usada pelos instrumentos atuais, foi necessário fazer uns ajustes, aqui e ali. Os chips comerciais para Ethernet também não poderiam ser usados, pois, eles não seriam compatíveis com instrumentos intrinsicamente seguros.

Para contornar estes problemas, foram desenvolvidos chips específicos para este tipo de aplicação industrial, mas que também poderiam ser usados em outras aplicações industriais. Os testes indicam que a solução é robusta, e atende aos requisitos. Como indicado na figura abaixo, os instrumentos no campo podem ser ligados a um comutador (switch) Ethernet especializado, que fornece energia intrinsicamente segura para os instrumentos, e recebe e comuta as mensagens para a rede Ethernet da planta. O comutador pode receber 4, 8 ou mais instrumentos, dependendo do que o mercado terá para oferecer. O comprimento do cabo, entre o comutador e o instrumento, pode chegar a 1.000 metros. Os comutadores (switches) Ethernet são ligados à rede Ethernet de campo. Esta rede é ligada a um comutador, que recebe sinal e fornece energia para a rede de campo. Dali, a informação é roteada através de firewalls para os consumidores da planta, tais como sistema de controle, gerenciamento de ativos, etc. e, através de mais firewalls e diodo de dados, para rede corporativa e consumidores externos. Dados coletados pelos roteadores podem também ser transmitidos via Wi-Fi. Com 5G, se os políticos deixarem, a velocidade de comunicação sem fio pode ser muito maior, com quase nenhuma latência.

A tecnologia Advanced Physical Layer – APL foi testada com sucesso, na Basf, em 2019, numa rede com protótipos de vários fornecedores, e apresentada na Reunião Geral NAMUR, de novembro de 2019, e no ARC Advisory Group Forum, em fevereiro de 2020, quando a ABB mostrou uma implementação que efetivamente eliminou todos os gateways e conversões de protocolo, de um medidor de nível para a rede corporativa. A Ethernet-APL promete simplificar a arquitetura, e aumentar a largura de banda para comunicação de instrumentos digitais, algo como deixar a frequência 300 vezes mais rápida do que a dos protocolos atuais.

A Ethernet-APL é baseada no padrão 802.3cg-2019 (10BASE-T1L), aprovado pelo IEEE, que estende o padrão Ethernet 802.3 para incluir fiação de par único, em distâncias de até 1.000 metros, com o fornecimento opcional de energia para dispositivos, e é de particular importância para as indústrias de processo, já que estende o 10BASE-T1L para uso em áreas classificadas – o comitê técnico IEC PT 60079-47 está trabalhando na chamada Ethernet Intrinsecamente Segura de Dois Fios (2-WISE), para cumprir os requisitos para dispositivos até Zona 0, 1 e 2 / Divisão 1 e 2. A especificação final (IEC TS 60079-47) é esperada para o ano que vem.

Tudo indica que o desenvolvimento do novo nível físico, para comunicação com os instrumentos, está indo muito bem, deve dar conta do recado, e será de grande benefício para a indústria – se for bem implementado. Pois, o desafio da boa instalação e manutenção continua, mais presente do que nunca. Parece que as regras básicas da Física foram esquecidas, e o pessoal de instalação não tem recebido o treinamento adequado. Nas minhas andanças pelo mundo, vi muita instalação mal feita, com todo tipo de comunicação; de 4-20 mA, a fieldbuses e Wireless. Este último não requer cabos, mesmo assim, o pessoal consegue fazer coisas inacreditáveis. Isto acontece igualmente em países ricos ou pobres. Treinamento adequado é fundamental, para qualquer que seja a tecnologia sendo utilizada.

Uma rede Ethernet, ainda que em menor velocidade (este projeto é para 10 Mbps), é mais sensível a enganos na instalação. E a manutenção não é a que a indústria de hoje está acostumada. Vai requerer treinamento, mas a moçada que está entrando no mercado de trabalho foi criada com celulares, computadores e vídeo games; eles ou elas não terão problemas para aprender.

Outro grande desafio é a estandardização na transferência dos dados. A ideia é utilizar OPC UA que está organizando, entre outras, a semântica, e aquela tradução automática e convergência dos diversos termos, presentes na indústria, para os termos padronizados. E FDI para uma apresentação dos dados também, de forma padronizada. É de fundamental importância, que parâmetros de uso comuns, tais como, por exemplo, Unidade de Engenharia, possam ser entendidos e apresentados da mesma forma em instrumentos de fabricantes diferentes, em diferentes sistemas. Como dito anteriormente, isso eliminaria a confusão que existe hoje, e facilitaria muito a organização e manipulação de dados, na planta ou na nuvem. Se tudo isso for feito direitinho, a integração de dados, que é tão importante para a Indústria 4.0, será muito fácil, rápida e segura.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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