Revista Controle & Instrumentação – Edição nº 235 – 2018



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Historicamente, o Brasil é um dos gigantes mundiais da produção e exportação de commodities agropecuárias. Em 2017, o setor registrou seu maior crescimento desde o início da série histórica: 13%, segundo o IBGE. Veio da agricultura a maior contribuição para o avanço de 1% do PIB, após dois anos de retração.

Esse recente resultado positivo ainda se deveu fortemente às condições climáticas, que favoreceram uma supersafra. Como não se pode contar só com as condições meteorológicas ideais, já existem muitos recursos high-tech que podem ajudar a gerir o ambiente do agronegócio.

O mercado, inclusive, já criou uma expressão para essa nova face do agronegócio, resultante da sinergia entre os mercados de tecnologia e agropecuária: agricultura de precisão. Além da própria evolução da meteorologia, que já é capaz de previsões com altos índices de acuracidade, a Indústria 4.0 está chegando a este ambiente de negócios, trazendo conceitos disruptivos e soluções inovadoras para segmentos rurais, os mais diversos, tanto em porte, quanto em tipo de atividade.
 
 
O termo Indústria 4.0 foi cunhado na Alemanha e adotado mundialmente para se referir ao ambiente produtivo que utiliza recursos da Internet das Coisas (IoT), computação em nuvem (cloud computing) e aprendizado de máquina (machine learning). No campo, a Indústria 4.0 inclui, desde sensores de análise de solo e irrigação inteligente, aplicativos para celulares e tablets, máquinas agrícolas com recursos embarcados e telemetria, passando por drones para captação de imagens, até marcação de rebanhos, tratores autoguiados, controle de máquinas agrícolas por GPS, entre vários outros recursos. A mobilidade é uma das características marcante da Indústria 4.0 – e um desafio enorme para as aplicações rurais no Brasil, dadas as grandes extensões de terras e as sérias restrições de infraestrutura de telecomunicação. Ainda assim, já existem ferramentas para tablets que podem ser usadas, ainda que offline, no apontamento de manutenção de máquinas agrícolas, dados de plantio, colheita e armazenagem de grãos, etc.

Entre os recursos tecnológicos a que produtores rurais vêm aderindo, o uso de drones é a face mais visível da Indústria 4.0 no campo. Esses objetos voadores controlados em solo são verdadeiros olhos remotos sobre propriedades rurais e permitem diversas aplicações, como localizar problemas de irrigação, erosão e ataque de pragas, detectar focos de incêndio, fontes de água e invasão de propriedade, contar e localizar animais, etc. Diversos tipos de informações, que antes eram obtidas somente com o deslocamento físico de pessoas e veículos pela propriedade, ou por imagens captadas por helicópteros ou satélites (o que as tornava de alto custo para pequenos produtores) podem, agora, ser obtidas a um valor acessível a mais agricultores e em tempo real, por meio dos drones – que, com preços em queda, são uma realidade crescente em propriedades rurais. Startups nacionais e estrangeiras e empresas tradicionais, como a Embrapa, vêm trabalhando no desenvolvimento de softwares para análise de imagens captadas pelos drones, o que tornará esses equipamentos cada vez mais úteis a agricultores e pecuaristas.
 
 
“As imagens de drones são diferentes das de satélites, e a integração de ambas, sua comparação e análise aprimoram a precisão dos modelos usados, por exemplo, para melhorar a nutrição do gado de corte, por meio do monitoramento de pastagens”, destaca a Dra Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária.
 
Mais analytics, menos insumos
 
Lucas Arrais, coordenador de manufatura avançada da Monsanto do Brasil, pondera: “Tecnologia é fundamental para conseguirmos conservar recursos naturais e suprir as necessidades de alimentos da crescente população mundial. É aí que surge o conceito de agro digital, que é a aplicação da Indústria 4.0 ao setor agrícola”
 
 
Ele destaca a tecnologia de modelos analíticos, seu amplo potencial de uso na agricultura e capacidade de agregar alto valor às operações no campo. Também chamada de analytics, essa tecnologia usa softwares para combinar e interpretar grandes volumes de dados armazenados na nuvem, ajudando os gestores no planejamento e na tomada de decisões. “Modelos analíticos podem, por exemplo, informar quando a planta no campo vai estar em determinados estágios de crescimento. Mesmo com toda a imprevisibilidade de variáveis meteorológicas, a modelagem dá uma previsibilidade muito maior do que contar apenas com a experiência do técnico no campo”. Os modelos analíticos alimentados, por exemplo, por dados de máquinas agrícolas, armazenados na nuvem, podem ser acessados a qualquer momento. “As máquinas deixam de ser elementos isolados de produção e podem passar a ser monitoradas em tempo real. É um círculo virtuoso de produtividade”, diz Arrais. A nuvem também ajuda na conexão remota dos equipamentos e no compartilhamento dos seus indicadores de performance nos servidores.
 
 
Telemetria

Amplamente utilizada em segmentos como logística e mineração, o sistema sem fio que monitora e rastreia, via sinais de rádio ou satélite, máquinas e veículos que operam em pontos remotos ganhou amplitude com a computação em nuvem. A telemetria aplicada ao agronegócio possibilita a coleta e análise em tempo real de parâmetros relevantes para a produtividade, como velocidade ideal para colher, tempo de máquina ligada, consumo de combustível, distâncias percorridas, entre outros. Esse recurso tecnológico permite otimizar o uso dos equipamentos, aumentar a segurança dos operadores e a qualidade final de produtos agrícolas. Na Monsanto, Arrais relata o uso da telemetria em colheitadeiras e nos caminhões que recebem o milho colhido. “A temperatura é um parâmetro muito importante para a qualidade das sementes. A telemetria nos ajuda a conseguir sementes com alta qualidade, via controle da temperatura dos caminhões, onde é depositado o milho colhido, que será beneficiado para ser transformado em semente.”
 
 
Desafios estruturais

Diante de tantas possibilidades trazidas pelo desenvolvimento tecnológico, um país com extensão continental e grande diversidade, como é o Brasil, tem um desafio proporcional ao seu tamanho: a infraestrutura de rede. “Essa questão de conectividade é o principal gargalo”, confirma Massruhá. Outro ponto essencial, na avaliação dela, é a formação de recursos humanos para operar máquinas com tecnologia embarcada, manusear sensores e drones e, também, para analisar esses dados, de modo a que se transformem em informação e conhecimento. A Inteligência Artificial (IA) tem papel relevante, pois pode auxiliar no trato do grande volume de dados e já está em uso no campo. “Usamos técnicas de IA para analisar imagens, para monitorar pragas e doenças. IA e aprendizado de máquina já estão sendo usados na pesquisa, e algumas soluções já estão no mercado”, destaca Massruhá. Arrais, da Monsanto, concorda e destaca: “A tecnologia da Indústria 4.0 traz uma forte mudança de paradigmas nas práticas do campo”. Extrapolando para o âmbito mundial, ele acrescenta uma preocupação compartilhada por todos os setores industriais, em torno da qual as empresas de tecnologia já se debruçam: “a segurança das informações no ambiente de computação em nuvem é questão focal”.
 
 
Caminhos da conectividade

“Todos esses tipos de dados heterogêneos, conectados e transformados em informação e conhecimento, beneficiarão desde o produtor agrícola ao consumidor final, diminuindo custos, melhorando a produtividade e até mesmo reduzindo o desperdício de alimentos em toda a cadeia de suprimentos”, explica a chefe-geral da Embrapa. Segundo ela, hoje, no Brasil, estão em testes as soluções Sigfox (francesa) e LORA (norte-americana), de tecnologia LPWA (sigla para Low Power Wide Area). Esse tipo de rede sem-fio oferece baixo consumo de energia, baixo custo de implementação e baixa frequência. “A rede 5G está prevista para ser oferecida em torno do ano de 2020, para conectar essa nova onda da Internet das Coisas, incluindo máquinas agrícolas autônomas, que talvez se viabilizem antes dos carros autônomos, porque o ambiente rural é mais controlado”, opina Masshurá.
 
Para contornar a dificuldade com a infraestrutura de rede de telecom, a Usina São Martinho, localizada em Pradópolis, interior de SP, tem projeto de transmissão de dados 4G, desenvolvido pela CPqd, que independe de operadoras de telefonia. Fabrício Lira Figueiredo, gerente de Agronegócio Inteligente do CPqD, explica: “No caso da conectividade, destaca-se a rede 4G privada, baseada na tecnologia LTE 250 MHz, desenvolvida em conjunto com a Usina São Martinho. Essa abordagem possibilita ao produtor implantar uma rede 4G dedicada à sua própria operação, sem necessidade de envolvimento de uma operadora. Além disso, ao operar em uma faixa de frequência mais baixa, a tecnologia LTE 250 MHz proporciona acesso à banda larga móvel, com raios de cobertura acima de 40 km com linha de visada e taxas de transmissão de até 15 Mbps em um setor.”
 
 
O sistema apresenta todos os benefícios de capacidade elevada de transmissão e flexibilidade das redes 4G, que permitem ampliar capacidade e cobertura, mediante o planejamento e a otimização adequados do sistema. Além disso, a arquitetura compreende, sobre a rede 4G, uma plataforma IoT aberta, desenvolvida e suportada pelo CPqD – chamada dojot. Essa plataforma proporciona elevada escalabilidade e padronização dos serviços, suportando os principais protocolos IoT de coleta de dados, atualmente empregados em nível global. Em termos de segurança, o sistema suporta dois níveis de autenticação: um na interface Wi-Fi e outro na interface LTE. Além disso, a dojot suporta mecanismos de coleta segura dos dados.

Figueiredo acredita que a maior demanda do projeto AgroTICS está nas áreas agrícolas das fazendas, porém, ressalta que a solução do projeto “pode atender a qualquer área de um produtor, provendo conectividade e sensoriamento IoT.” Quanto à capacidade de evoluir para redes 5G, Figueiredo acredita que começará a ser realidade nas áreas urbanas do país após 2020, e levará bem mais tempo para chegar às áreas rurais. “Considerando que a camada física do 5G, em sua primeira fase, continua se baseando no OFDM, esta evolução tende a ocorrer de forma ‘suave’, sem quebra da compatibilidade reversa. Deste modo, planejamos viabilizar a evolução da base tecnológica LTE 250 MHz do CPqD para o 5G, mas com foco nas funcionalidades mais relacionadas à IoT e alta confiabilidade – que, no nosso entender, serão mais necessárias ao agronegócio no futuro.
 
“O agronegócio é um dos segmentos com grande potencial para obter resultados expressivos a partir da aplicação das TICs. A Internet das Coisas (IoT), por exemplo, poderá revolucionar esse setor, ao permitir atender às necessidades de aumento da produtividade no campo e viabilizar a agricultura de precisão” (Alberto Paradisi, VP de Pesquisa e Desenvolvimento do CPqD) “A IoT traz várias possibilidades em termos de software e hardware e de empresas para oferecer soluções de baixa frequência para o campo. É um mercado novo de serviços, o que explica o boom de startups na área agrícola. A Embrapa se tem posicionado como facilitadora desse novo ecossistema, dando oportunidade a essas empresas de testar seus modelos e tecnologias.” (Silvia Masshurá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária)
 
 
 
 
 
 
 
 
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